CAFÉ PIU-PIU

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Fecho a porta, assim que a Beatriz desce com a Lucia, pois meu carro quebrou ontem e ela teve que vir buscá-la para o tal aniversário, que obviamente eu já havia me esquecido. Ela não diz nada, mas pela expressão de espanto que fez ao me ver, eu imagino que ela deduziu que o Henrique e eu rompemos.

Me jogo na cama e fico divagando o que a Lucia vai contar pra ela. Todos os dias a Lulu me pergunta dele, pede para ligar ou mandar uma mensagem e tenho que explicar, em todas as vezes, que ele não faz mais parte das nossas vidas. O dia mais difícil, foi na quarta, quando o Pedro apareceu aqui de surpresa, para me trazer minhas malas, que acabaram ficando em Floripa. A primeira coisa que a Lúcia fez, foi indaga-lo do porque o tio Henrique não gosta mais dela, deixando nós dois totalmente sem reação. Depois desse dia, o Pedro ligou algumas vezes e sempre pedia para falar com ela, que ficava muito feliz e eu fingia não saber que era com o Henrique que ela verdadeiramente conversava. Confesso, que saber que ele estava ali, ao alcance das minhas mãos e nenhuma vez pediu para conversar comigo, me deixou ainda pior, mas também me fez ver a mentira que eu estava vivendo.

Espanto esses pensamentos, me levanto e olho no espelho, encarando meus olhos ainda bem inchados, pois apesar de já ter se passado uma semana, ainda não consigo evitar os rompantes de tristeza, que me levam as lágrimas quase que diariamente. Sinto-me familiar com essa dor, me lembro de ficar assim quando o João partiu, mas ele não teve escolha, foi tirado mim, já o Henrique tinha opções e escolheu o pior cenário possível.

Ligo meu rádio na Kiss, sem prestar atenção no que está tocando e ao olhar de relance no relógio, me assusto ao perceber que já passa das nove da noite. Caminho até o banheiro e jogo uma água no rosto, com a esperança de melhorar um pouco, mas para meu desanimo, continuo parecendo que sai de um filme de terror, então me arrasto de volta pra cama, de onde não pretendo mais sair, já que a Lucia só volta amanha.

Assim que me aconchego, os acordes de "Broken" preenchem o quarto e meu primeiro impulso é levantar para desligar o rádio, mas a voz do Seether parece traduzir toda minha dor, então me encolho e deixo as lágrimas, que já enchiam meus olhos, escorrerem livremente. Eu ainda o amo muito, cada pedaço do meu corpo sente desesperadamente a falta do cuidado, atenção e carinho que costumava receber. Obvio que perdoar essa traição é algo fora de cogitação, mas pensar que desde a última chamada dele, ainda no ônibus saindo de Floripa, ele não tentou falar comigo nenhuma vez, me faz sentir que fui apenas mais uma carta fora do baralho, que ele não se deu sequer ao trabalho de dar alguma satisfação.

Penso na merda de ilusão que estava vivendo, como não percebi essa podridão por traz de tudo? Ele não tinha mudado, continuava levando a vida de antes de nos conhecermos, mesmo que oficialmente, tivesse uma namorada. Estremeço ao pensar em quão dissimulado ele foi, a ponto de me envolver dessa forma, não deixando a menor dúvida do seu amor por mim, mas me traindo descaradamente.

O som da campainha invade o apartamento, abafando a música e fazendo meu corpo paralisar, mas decido apenas ignorar o ser humano que tenta me incomodar. Porém, assim que descansa o dedo no botão, fazendo tocar constantemente, eu já sei, pela determinação e impaciência, que é a Mel. Me levanto, já pensando no e-mail que vou mandar para a portaria, pedindo que não deixe ninguém subir sem autorização, mesmo que seja uma gestante persuasiva.

Respiro fundo, imaginando toda ladainha que ela vai rezar no meu ouvido de novo, como aconteceu no dia que cheguei em São Paulo. Abro a porta devagar e para minha surpresa, parados junto com a Melissa, que ostenta uma barriga enorme e ainda mais redonda, estão o Paulo e o Felipe. Todos me olham preocupados, ao que atribuo ser pela minha péssima aparência e meu pijama todo bagunçado.

- Olá - forço um sorriso, mas ainda me olham paralisados - entrem.

Eles me cumprimentam e entram em silêncio, trocando olhares de preocupação e parecem decidir se falam algo ou não.

RECOMEÇAROnde histórias criam vida. Descubra agora