BATIZADO

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Depois de uma noite intensa, onde cada parte de mim brigava para defender, na sua opinião, qual seria a melhor atitude a se tomar, me levanto a contra gosto, assim que o celular reverbera pelo quarto o som do despertador, avisando que já amanheceu e são sete horas.

Paro na frente do espelho e me espreguiço demoradamente, como quem expulsa a preguiça de dentro de si, mas eu sei que no meu caso, mandar essa magoa embora, não vai ser tão simples assim. Por alguns segundos encaro meu reflexo, tentando entender onde tudo isso ainda vai me levar, mas balanço a cabeça, afastando esses pensamentos enquanto caminho até o quarto da Lúcia, que dorme esparramada na cama. Abro a janela e os raios do sol ofuscam a minha visão, mas instantaneamente me lembram de agradecer por hoje o dia estar lindo, muito diferente da chuva torrencial que caiu ontem e deixou a todos preocupados.

- Meu amor – dou um beijo de levinho na bochecha rosada dela – tá na hora de acordar – digo bem baixinho.

Ela levanta bem rápido, me pegando de surpresa e já superanimada. A Lulu ama festas, por ela teria uma a cada final de semana e aguardava, ansiosamente, pelo batizado fazia dias. Como após a cerimônia tomaremos um café para comemorar, ofereço apenas um suco pra ela não morrer de fome até a hora do brunch.

Peço pra Lulu dar um giro, enquanto admiro o quanto ela ficou linda com um vestido branco, com rendados bem discretos azuis e um laço combinando. Antes de sairmos do quarto, olho uma última vez no espelho e me esforço para manter um semblante alegre, afinal hoje é um dia muito especial, dia de batizar meu afilhado lindo, mas não é tão simples disfarçar a tristeza quando ela toma conta de mim. Analiso meu vestido creme desenhando meu corpo até perto do joelho, e percebo que ele ressalta ainda mais o ruivo dos meus cabelos, que caem em ondas longas, na altura da minha cintura.

Assim que estacionamos em frente à igreja, meu coração dispara, como uma batedeira sem botão, totalmente desgovernada, no instante que meus olhos se cruzam com o do Henrique. Ele está parado na frente da porta, com outras duas pessoas, mas meu cérebro nem consegue decifrar quem são. Só consigo analisar a sua camisa branca com botões na altura do peito, que veste super bem e uma calça jeans preta, com um sapatênis completando o visual de tirar o ar.

- Mamãe, a gente não vai descer? – a Lúcia se remexe impaciente na cadeira, tentando se soltar sozinha.

- Vamos meu amor – eu me viro e puxo o cinto, já liberando-a da cadeirinha.

Descemos e a Lulu dispara na direção do Henrique, me fazendo sorrir ao perceber que era obvio que ela faria isso, assim como também é, que ele a pegaria no colo e giraria fazendo-a gargalhar.

Depois de fazer graça com ela, sinto seus olhos medirem cada centímetro do meu corpo, começando pelos meus pés, que exibem a sandália do nosso primeiro beijo. Ela ainda corrói meu pé, mas eu achei que hoje seria o momento apropriado de usa-la. Acho que enlouqueci. Então sorrio desconcertada e ele faz uma pausa nos meus lábios cor de rosa, antes de me encarar e sorrir.

- Oi – posso sentir a tensão no seu corpo, e no meu, quando ele apoia a mão na minha cintura e me dá um beijo na bochecha – você está linda.

Sorrio de volta, parece ser a única coisa que meu corpo consegue realizar.

- Oi – ajeito o vestido tentando disfarçar meu desconforto – você também está ótimo!

Para minha sorte, antes que o clima fique ainda mais tenso, a Mel e o Paulo se aproximam com o Arthur adormecido em um carrinho. Ela está radiante com um vestido azul e tenho que admitir que nunca vi uma recém mamãe tão linda assim, pois eu me lembro de me sentir perdida de mim, mas ela parece ter renascido com o nascimento do Arthur e irradia essa energia. O vestido dela acentua ainda mais os azuis dos seus olhos, que são emoldurados por algumas olheiras, típicas de quem tem um bebê novinho, mas isso a torna ainda mais linda. O Paulo parece tão radiante quanto ela, mas a natureza não foi tão boazinha com ele e seu cansaço transparece mais.

RECOMEÇAROnde histórias criam vida. Descubra agora