Nove

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Quando parei de tremer, consegui reconhecer seu rosto, um olhar de compreensão estampado nele. Finn estava a minha frente com os braços estendidos para o caso de meus joelhos falharem. Ele me observava atentamente para ter certeza de que eu havia retornado a consciência. Soltei um suspiro de alívio quando percebi que estava fora do castelo, fora de perigo e vergonha. Finn havia me arrastado da mesa assim que percebeu meu estado, mas... se nem meus irmãos haviam notado, me perguntei como ele havia conseguiu. 

— Você está melhor?

Ele perguntou com cautela, como se a pergunta errada pudesse me ferir.

— Estou... obrigada

Ele esfregou uma das mãos na nuca com o cenho franzido, enquanto conferia meu rosto. Algo nele conseguiu me tranquilizar. Ele não agia desesperado como Zander, não me olhava assustado, apenas com atenção. A firmeza de sua voz, e seus braços posicionados davam a impressão de que ele sabia exatamente o que fazer.

— Eu não sabia onde é seu quarto, então achei que o jardim cairia bem...

Seus braços agora pendiam na lateral do corpo. Involuntariamente desejei senti-los de volta ao meu redor. Afastei o pensamento com um aceno de cabeça, tentando me concentrar no rosto do príncipe, e não na vontade que persistia em mim.

— Meu quarto é o que tem uma porta cor-de-rosa. É no segundo andar da área leste...

Não sei em qual ponto de nossa conversa as coisas começaram a ficar confortáveis. Mas sei que em menos de trinta minutos estávamos estirados na grama espetada dando nome as estrelas. Finn me olhava de uma forma intrigante, mas não ousei perguntar o porquê. Me contentei a formar teoria do porque daquele lindo príncipe estar me fitando tanto. Em algum momento ele adormeceu. Foi quando me permiti olhar realmente para ele. Seus cabelos louros se entrelaçavam com a coroa prateada que usava, seu nariz parecia ter sido perfeitamente moldado para suas bochechas firmes, que eu sabia que formavam covinhas . Meu olhar desceu até seus lábios firmes, e subitamente me arrependi. Aqueles lábios lindos se curvavam em um sorriso sarcástico.

— Sei que sou irresistível .

Finn afirmou presunçoso. Mas eu estava cansada demais para discutir. Decidi que colocaria meu reino em prioridade em vez de mim mesma. Decidi que faria o possível para fortalecer aquele lugar que um dia fora o amor de minha mãe, o lugar que meu pai tanto cuidava. Meus interesses não seriam mais importantes do que a segurança e sucesso de meu reino, se não que tipo de rainha eu seria?

— Príncipe Finn...

O chamei. Ainda não estava certa do que pretendia fazer exatamente , mas mesmo assim não recuei.

— Pode me chamar de Finn

— Finn. Aceito ser sua amiga.

Aquilo não era uma promessa de amor eterno, ou um agradecimento por seus exércitos. Era apenas uma pequena declaração de que eu não recuaria no momento em que ele me tomasse como esposa, de que eu não tornaria as coisas mais difíceis do que eram, era uma promessa de que eu aceitaria ser levada por Bulhart se isso salvasse Kibtaysh. Mas mesmo assim, mesmo não sendo grande coisa, um sorriso brilhante se abriu no rosto de Finn quando ele disse:

— Certo Kalishta. Será um prazer te fazer a amiga mais feliz do mundo.

Naquela noite, eu dormi pesadamente. Afundada entre os lençóis rosa claro da minha enorme cama, foi preciso apenas uma piscada para que o sono me levasse. O dia me acordou com raios dourados da janela que me esqueci de fechar, e o farfalhar dos convidados adentrando ao palácio. Me empurrei para o vestido azul claro que as criadas caladas haviam me separado, enquanto as mesmas se empurravam para adicionar cor as minhas pálpebras e lábios, e para envolver meus cachos em alguns grampos em formato de flores. Elas me entupiram de perfume cinco segundos antes de praticamente me jogarem na direção da festa que se estenderia até depois do alvorecer.

Quase todos os meus irmãos estavam todos reunidos em uma fileira atrás da mesa, então me juntei a eles para esperar Vlad. Mesa de guloseimas que Vlad havia calculadamente montada, era sem dúvidas uma ostentação e uma tortura. Tortas de limão, morango e maracujá rodeadas de docinhos menores, escuros como carvão. Me posicionei na ordem de nascimento que havia sido organizada sem contar com a presença de Vlad, ficando logo atrás de Kai.

— Renunciou os decotes?

Brincou Kai. Por trás da mesa ele me lançava pequenos beliscões em provocação, rindo tão baixo que só eu podia ouvir. Arlo se remexia em seu uniforme militar amarelo, tentando disfarçar o desconforto de ser o centro das atenções. O rosto de Alexander estava impassível, e ao contrário dos dois, Zander estufava o peito por trás do tecido roxo de seu uniforme, grato pela atenção que recebia. Owen apenas sorria para cada uma das damas que não olhava para Zander. Ficamos por bons vinte minutos assim, mantendo nossas posições à espera de Vlad. As cortinas normalmente brancas do salão haviam sido trocadas por umas marrom avermelhado. No chão se estendia um tapete revestido de flores secas de outono, que mesclavam seus tons com as cadeiras dos convidados. As mesas douradas ficavam ao redor da pista de dança do centro do salão, onde tiras de fita das cores do outono pendiam do teto alto.

Vladmir entrou pelo salão com sua capa vermelho-sangue farfalhando atrás de si. Uma pequena coroa prata se encaixava em sua cabeça assim como a de todos nós, mas de alguma forma parecia melhor nele. Ele entrou de queixo erguido, passando pelos nobres e convidados com graça e perfeição. Não pareceu notar as garotas que desviaram seus olhares de Zander para ele, ou nem mesmo Isla que olhava para a porta desde que chegara encaixada naquele vestido vermelho cintilante. Ela conhecia as cores dos meus irmãos, decorara a cor de Vlad desde os doze anos, ansiosa por cada momento em que ele havia reparado em como suas roupas combinavam.

Com um movimento simples de cabeça, Vlad fez com que os músicos voltassem a tocar seus instrumentos, e a festa começou. Uma entrada de doces, depois carne assada e frutas no final da tarde. A janta como sempre era um mistério. Mas como tudo o que Vladmir fazia, foi tudo um sucesso. Filas de pessoas ansiosas despontavam pelo salão, em direção ao meu irmão para terem sequer uma chance de conversa. Ninguém parecia se importar com o resto da família real, não que devessem pois era o aniversário de Vlad. Quando percebi que a fila não diminuiria, decidi que falaria com meu irmão mais tarde, provavelmente atrás de sua porta vermelha dando os parabéns de verdade.

Arlo não estava em lugar nenhum, provavelmente escondido das garotas estéricas que ficavam gritando seu nome as vezes. Então me aproximei de Kai, que segurava uma taça de vinho.

— Ainda são oito da noite Kai, vai com calma aí.

Ele me deu um sorriso cúmplice enquanto tomava mais um gole da bebida . A pista de dança se mexia em coreografias tradicionais, gravadas nas cabeças das pessoas desde sempre. Vestidos de todas as cores farfalhavam pelo piso, as vezes esbarrando nos parceiros das damas, ou um no outro. Kai me tirou para dançar. Todos ao nosso redor abriram espaço quando começamos a nos mover. Mantive uma das minhas mãos na sua enquanto a outra eu pousei em seu ombro. Com uma mão em minha cintura, meu gêmeo me conduzia pelos paços, me levando por aquela melodia doce e intensa que tremulava entre nós. Eu podia jurar que em alguns momentos quando nos olhávamos nos olhos por muito tempo, era como se sentíssemos um ao outro. Se nós concentrássemos podíamos nos tornar um. Me perguntei se Alexander e Zander também tinham essa conexão.

A primeira vez que senti foi no dia em que nossa mãe morreu. Um guarda segurava meu corpo em transe com um braço enquanto Kai corria em minha direção. Quando ele me olhou, foi como se eu viajasse do meu corpo para o dele, como se a dor enraizada entre nós ficasse menor. Desde então fazíamos com frequência, aquela conexão intensa. Fiz uma nota mental para que me lembrasse de perguntar sobre a conexão para Zander e Alex. Mas essa pergunta nunca aconteceu. Pois quando a música terminou, e o fim dos nossos passos ecoou por todo o salão, o silêncio foi rompido com o som das enormes janelas de vidro de estilhaçando acima de nossas cabeças. Em dois segundos os convidados gritavam espalhados pelo chão, enquanto quatro pessoas totalmente vestidas como a noite entrevam no palácio. Um arrepio percorreu minha espinha quando contei meus irmãos e percebi que Arlo não estava entre nós. Só poderia rezar para que estivesse seguro.

Filha de KibtayshOnde histórias criam vida. Descubra agora