Consegui despistar Edwin por muito tempo, mas uma hora foi inevitável esbarrar com ele. Para minha imensa satisfação, ele ainda estava entrelaçado nos braços da víbora Emory. Então me lancei na primeira porta que achei antes que me vissem. Eu tinha uma reunião de chá com a rainha em dois minutos, então assim que presumi que eles haviam se afastado, desatei a correr até chegar no salão de chá do castelo, o qual decorei o caminho durante a manhã.
O salão de chá era completamente rosa, tons diferentes se espalhavam pelo lugar, nas cadeiras, mesas e cortinas finas. A rainha me esperava magnificamente sentada em uma das cadeiras rosa-claro da mesa maior. Me sentei ao lado dela e deixei que me servisse uma xícara de chá. Minha mae havia me ensinado uma coisinha outra sobre como entreter uma rainha, então eu fiz o meu melhor para me parecer com sua princesa fútil.
-- Edwin vinha aqui quando pequeno. Sempre foi muito amigo da minha filha. Me pergunto se foi essa presença masculina constante que a fez... perder o interesse em homens.
Soltei o ar que mantinha para manter minha coluna ereta. Me senti aliviada e culpada ao mesmo tempo. A princesa e Edwin estavam grudados porque eram grudados... e aquele papo de casamento... não era para eles dois. Provavelmente o que ela me disse no dia anterior sobre o guarda, deveria ser pura provocação. Me deixei ser idiota mais uma vez. Mas não estava completamente arrependida. Sair mais cedo do jantar, mesmo que com raiva sem motivos, me fez conhecer um lado de Eliah que eu não conhecia. Me fez vê-lo de verdade. O olhar da rainha se desviou para o anel no meu dedo anelar.
-- O principe é encantador certo?
-- Sim
Ainda desconfortável com a confissão da rainha, me ajeitei na cadeira de chá tentando desviar os olhos dela do meu dedo.
-- Por que me contou tudo isso?
Com um olhar sereno, a linda rainha deixou o chá de lado e pegou uma de minhas mãos. Ela fez círculos preguiçosos na palma de minha mão, um gesto que eu provavelmente entenderia seminua mãe tivesse vivido um pouco mais.
-- Eu leio bem as pessoas Kalishta. E sei exatamente a guerra que seu coração esta travando. Mas lembre-se de que são outros dois corações nesse jogo junto com você. Jogo perigoso menina, cuidado para não fazer a escolha errada.
Um gelo absoluto atingiu minha barriga. A voz da rainha pareceu ficar infinitamente mais firme na ultima frase. estava tão na cara o conflito interno que eu estava vivendo? Mas o que eu deveria fazer? Como decidir? Quando a rainha se retirou para suas atividades, me lancei na grama fofa do jardim que ficava no fundo do palácio, um pouco menos extenso do que o da minha casa. Deixei que meus pés nus se entrelaçassem com a grama gelada, afundei meus braços e por alguns minutos eu podia sentir tudo ao meu redor. Observei uma fileira de formigas que levavam uma porção de folhar para algum lugar. Um pequeno besouro subia nas folhas e escorregava, constantemente, mas não desistia. Uma pequena joaninha pousou na ponta do meu dedo, e ficou ali dançando uma valsa solo. Foi quando senti a brisa se intensificar, ate se transformar em uma pequena ventania. Levantei a cabeça para contemplar o príncipe demonstrando parte de suas habilidades para a linda princesa Emory. Sabendo da proximidade dos dois, agora era ainda mais desconfortável vê-los juntos. Me levantei para buscar meus sapatos, mas ja era tarde... eles haviam me visto.
-- Não é apropriado para uma princesa passar as tardes descalça deitada nos jardins dos fundos.
Foi Emory quem falou. Mas agora que eu sabia que me provocar era seu objetivo principal, ela não podia mais me afetar. Boa tentativa princesa. Mas falhou.
-- Ah eu poderia usar os jardins da frente se você me mostrasse o caminho.
Meu sorriso saiu ainda mais facilmente quando notei o olhar de irritação que ela tentou esconder. Edwin tentou disfarçar o riso, mas sua boca se curvou involuntariamente, provocando um olhar mortal da princesa em sua direção. Me virei para voltar ao castelo mesmo sem os sapatos na mão, mas uma mão segurou meu braço me impedindo. Edwin aproximou-se receoso.
-- Preciso falar com voce.
Eu nao queria ficar com essa barreira entre nos. Mas mo depois da noite passada com Eliah, Edwin ainda me impedia de escolher. Então assenti com a cabeça, e esperei que ele desse uma desculpa para a princesa emburrada que nos deixou pisando duro. Agora sozinhos, me sentei novamente na grama, sem me importar se o príncipe me imitava ou não. Me aliviei um pouco quando ele se sentou a minha frente e começou a puxar pequenos deados de grama com a ponta de seus dedos.
-- Acho que te devo uma explicação.
-- Nao me deve nada.
-- Sobre minha irmã.
O assunto na carruagem voltou a minha mente. O momento em que Edwin disse que havia matado a própria irmã. A indiferença que eu queria sentir por ele era grande, mas minha curiosidade era muito maior. Percebi que o assunto era serio quando suas mãos começaram a tremer. Quase em um reflexo, eu as segurei e apertei contra as minhas.
-- Meu pai treinava os quatro primeiros filhos homens para o trono, enquanto minha mãe treinava a minha irmã mais nova para ser uma boa esposa. Tínhamos idades muito próximas, e por isso éramos mais amigos do que de nossos outros irmãos. Por ser o mais novo eu sempre acabava ficando para trás, e meu pai se irritava muito com isso. Foi quando ele decidiu intensificar meu treinamento. Mas as exigências físicas e mentais passaram a ser mais do que eu podia aguentar, então eu adoeci.
Senti o aperto de sua mao se intensificar. Ele não conseguia olhar nos meus olhos.. a parte ruim estava chegando.
-- Eu nao sei por que confio em você pra contar isso, mas... não consigo parar.
Livrei minha mão direita de seu aperto e estendi o dedo que continha o anel até sua testa. Eu não o conhecia como conhecia meus irmãos, mas se ele podia confiar em mim ate ali, eu poderia confiar nele dali para frente. Não precisei explicar o gesto, creio que meu olhar foi o suficiente.
-- Minha irma cuidou de mim. Então meu pai foi me visitar um dia para tentar me estimular com seu poder... minha irma estava no quarto. Quando ele usou seu poder em mim, eu transbordei de raiva e quis me vingar dele. Não sei da onde tirei forças , mas consegui tirar dele todo o poder. Finalmente me vinguei e fiz ele pagar por cada tortura que me fez sofrer. Ele ficou seco no chão, como se ate respirar fosse um grande esforço. Mas eu não me arrependi. Acho que ate hoje não consigo me arrepender. Mas quando olhei para o lado... minha irma também estava caída. Sem perceber eu havia roubado todo o ar de seus pulmões, e por mais que eu tentasse concertar enviando rajadas de vento para dentro dela... era tarde.
Estiquei meus dedos até a base de seus olhos para secar algumas lagrimas que escapavam pelas extremidades. Percebi que minha visão estava embacada, a saudade de casa aumentava cada vez mais. Não fazia ideia de como lidaria com uma situação dessas em seu lugar, provavelmente não seria tao sorridente quanto ele se forcava a ser. Me lembrei de cada sorriso que ele lançara para pessoas que antes eu considerava insignificante. Me lembrei de cada gargalhada leve, como se sua vida se resumisse a jantares chiques. Me lembrei do amor que ele demonstrava por cada um de seu povo. Edwin era amor. Depois de tudo o que ele passou, podia ser resumido em amor. E a cada dia eu queria ser mais parecida com ele.
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Filha de Kibtaysh
FantasyO reino de Kibtaysh é pacífico e harmonioso, até onde se sabe. A família real conjuradora do fogo, leva a paz em suas costas desde muito tempo atrás. Até que ataques direcionados a pontos fracos do reino, fazem todos questionarem a paz pela qual o...