Trinta e dois

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Nani e Buni eram simplesmente as mulheres mais meigas que eu já havia conhecido. Minhas novas criadas, jovens gêmeas sorridentes tinham mãos de anjo. Nani para massagens, e Buni para maquiar. Buni me deixava do jeito que eu queria, natural o suficiente para que me reconhecessem, mas melhorada ao ponto de dizerem: "uau". E foi assim que me senti quando as duas me deslizaram por um vestido azul-gelo bufante, cheio de detalhes em branco. As mangas se transformavam em luvas que eram presas ao meu dedo médio de cada mão, da bainha e na cintura flocos de neve perfeitos foram costurados, para combinar com o decote em minha branca que deixava parte dos meus seios à mostra. Eu me sentia uma rainha naquilo, mas o espartilho tornava a respiração difícil. Saltos transparentes foram perfeitamente encaixados nos meus pés, quase eliminando a dor de agulhadas que eu já previa. Ser bonita dói bastante.

Os brincos prata em formato de chamas balançavam pendidos a cada passo meu. As gêmeas me levavam pelo corredor com um braço de cada lado meu, me apressando devido ao atraso. Mas diferente do solstício de outono, que é no aniversário de Vladmir, no de inverno não precisamos entrar antes para dar-lhe destaque. Mas atrasos não são bem tolerados por ele, mesmo que eu os cometa sempre. Sou praticamente arrastada para a porta da frente. Ótima ideia para não chamar atenção... mas quando me dou conta a porta já está escancarada, e os nobres e suditos convidados me foram de boca aberta. Me arrasto graciosamente para dentro do salão, os olhos freneticamente buscando Kai ou Owen. Mas Zander chega a mim primeiro.

— Você está deslumbrante!

Seu paletó também é azul-gelo, mas as calças são negras e a gravata branca. Seu cabelo está meticulosamente preso em um rabo de cavalo baixo, e sua barba foi aparada. Está lindo.

— Vamos nos encontrar com os outros?

Deixo que ele enganche seu braço no meu, me conduzindo através da pista de dança para que todos nos vejam. As pessoas que antes dançavam, comiam ou conversavam agora tiraram o tempo para nos encarar e observar nossos movimentos. Nenhuma cabeça ruiva pelo caminho. Só paramos ao nos deparar com a porta vermelha dos fundos, porta que conduzia até o salão de guerra onde nos reuníamos para discutir os problemas iminentes. Achei estranho mas mesmo assim o segui para dentro do segundo salão.

— Certo, o que eu perdi?

Meus irmãos estavam todos sentados, menos Zander ao meu lado, junto com Edwin, Jasper e um outro garoto que não reconheci. Havia uma cadeira a mais do que da última vez, para ele, notei. O garoto não parecia muito mais velho que nós, tinha os olhos cinza claro exatamente como Edwin, mas seus cabelos eram completamente negros caindo nos ombros em ondas elegantes. Um uniforme igualmente negro se esticava em seus músculos marcados do braço, com um brasão de água estampado no peito. Brasão do reino de Rithan.

— Maninha, temos um novo aliado conosco. Contra o herdeiro que vem enfraquecendo a natureza.

Tentei bater meus saltos o mínimo possível até chegar em minha cadeira na ponta da mesa e me sentei.

— Seria esse jovem ao lado de Kai?

O garoto me encarou com certa diversão no olhar. Pertinente era a primeira palavra que me veio à mente quando nossos olhares se encontraram. Aquele garoto tinha um ar de superioridade, como se uma coroa invisível adornasse sua cabeça. Edwin olhava para ele nervoso enquanto Jasper evitava o ato.

— Sim tomatinho, esse é o príncipe Lúcios, irmão de Edwin. — disse Zander ao meu lado

A cor dos olhos passou a fazer sentido. O nervosismo do príncipe cenoura também. Mas Edwin só tinha irmãos mais velhos, o que significava que seu nervosismo poderia significar que o irmão estava tentando tomar seu trono. Pelas histórias que me contou, imaginei seus irmãos meigos e unidos a ele, afinal, quem não lutaria com Edwin? Mas dava pra ver que os irmãos não se davam bem. O motivo era um mistério, mas ainda sim muito claro.

— Não vamos nos demorar, só queríamos avisar a você que ele e seus guardas pessoais ficarão aqui em casa até a aliança ser consolidada com a Herdeira de Elliwe. — Vlad diz tirando uma poeira invisível de seu paletó azul-celeste.

Herdeira. Não usaram o termo princesa, usaram herdeira... significava que Lúcios estava lá por ser um dos herdeiros, e Jasper... ele teve tempo para chamar uma de suas irmãs se caso uma delas fosse herdeira. Mas com ele aqui por tanto tempo, seu reino deveria ter se tornado morte pura certo? Lúcios, Jasper, Emory, Finn e... Kai? Ou eu? Deveria abrir a boca e confessar minha dúvida? Ou isso me colocaria em perigo? Lúcios era mesmo confiável?

— Voltemos para o baile!

Kai pula da cadeira e me arrasta pelo braço porta a fora, impedindo que nos parem. É assim saímos todos do salão de volta a festa, sem que Lúcios desse uma palavra sequer. Ele parecia um ponto preto no meio de um mar de azul-claro e branco. Mas não estava nem de perto deslocado. Tinha o carisma do irmão, o suficiente para entreter qualquer um ao seu redor com histórias e experiências. Edwin permanecia a uma distância segura apenas observando, quieto sem esbanjar seu charme. Nunca pensei que o veria intimidado, o que me deixava um pouco apreensiva. Me afastei do aperto de Kai quando uma moça veio elogiar sua roupa, e me arrastei para o lado do príncipe-cenoura.

— Olá cenourinha.

— Olá tomatinho.

Um alívio percorreu meu corpo quando ele me lançou um sorriso sem rancor. E de repente estávamos lá, conversando como se fôssemos melhores amigos. E talvez devia ter sido assim desde o princípio. Eu nunca havia tido tanto desde que chegara no castelo, e naquele momento percebi que era disso que eu sentia falta. De sua amizade. Em determinado ponto, nos encostamos em uma das paredes do canto avaliando os vestidos bufantes e maquiagens exageradas ao nosso redor. Edwin apontou para uma moça que havia desenhado uma pinta no próprio rosto, mas a mancha escorria pelo rosto devido ao vinho quente que ela segurava perto do mesmo sem notar o que acontecia. Eu ri tanto que cheguei a roncar, provocando mais risadas no príncipe ao meu lado.

— Sua pose de princesa descente acaba de cair.

Sua voz está trêmula por causa das risadas em excesso. Dou um pequeno tapa em seu ombro e me apoio nele para retirar os saltos que já calejavam meus pés.

— Nunca tive essa pose aqui. Meu povo me conhece como a princesa vermelha que corre descalça pela floresta e caça sem matar.

Seu olhar sobre mim se intensifica. Ele parece entalado com algo em sua garganta, parece precisar pronunciar as palavras. Mas não consegue. Ele pega um dos saltos das minhas mãos e os analisa.

— Deve doer andar com isso. Seu pé é minúsculo.

Abri a boca para responder, mas Lúcios se aproximou sem que eu percebesse e pronunciou a frase que eu havia pensado mais cedo:

— A beleza dói maninho.

Um arrepio de terror invadiu minhas entranhas. Involuntariamente apertei o salto que ainda estava em minhas mãos contra o peito, sentindo o mais puro terror. Aquela voz... era a voz que escutei na floresta. A foz do homem que quase concordou em matar meu irmão. E ele dormiria em meu palácio.

Filha de KibtayshOnde histórias criam vida. Descubra agora