Trinta

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Tinta preta contornava minhas pálpebras em uma linha suave e sensual. Uma cor rosada fora adicionada em minhas bochechas, e marrom em meus lábios. Eu me sentia maquiada demais. Parecia vestir uma máscara, eu não era assim. Uma batida soou, e tive que erguer muito as saias pesadas do vestido branco que haviam me obrigado a usar. Jasper entra tentando manter os olhos longe dos meus decotes, enquanto analisa o quarto antes que eu me volte para o espelho no canto.

— Você parece uma dama de verdade.

Ele zomba enquanto se senta na ponta da minha grande cama. Bufo e começo a retirar os grampos de meu cabelo, presos horas antes por Owen e seus dedos habilidosos.

— Vladmir desenhou esse vestido também?

O solstício de inverno se aproximava, e Vlad se animava cada vez mais em seus projetos, me usando de cobaia para decidir qual tom de cada cor é melhor para sua nova coleção. Jasper estava no castelo a uma semana, tempo o suficiente para começar a distinguir cada um de meus irmãos por suas características únicas e aparentes.

— Você acha que essa máquina de tortura poderia ter sido orquestrada por mais alguém?

Jasper joga a cabeça para trás e solta uma gargalhada levemente abafada pelo tecido da máscara que ele mantém no rosto. Apesar de já ter visto por completo, a curiosidade ainda me atiça a cogitar descobrir seu rosto novamente. Mas o medo de que isso soe muito íntimo me impede. Depois que meus irmãos e meu pai concordaram em dar abrigo a Edwin e Jasper, me aproximei cada vez mais do príncipe mascarado. Passamos dias em conversas no jardim e entre sussurros na biblioteca. Ao ponto de ele tomar a liberdade de me visitar em meu próprio quarto quando bem entendesse e vice-versa. Mas não havíamos falado ainda sobre sentimentos, e no fundo existia medo ainda de que ele não me perdoasse pelo o que fiz.

— Me ajuda com isso?

Pedi frustrada pelo modo como soava patética ao não conseguir sair de meu próprio vestido. Com um sorriso brincalhão no rosto, Jasper se aproxima devagar, deslizando as mãos pelas minhas costas conforme abre o espartilho externo que prende as saias colossais. Sua respiração em minha nuca está tão próxima, que mesmo de costas consigo sentir seu hálito fresco queimar minhas narinas. O espartilho deslisa do meu corpo para o chão, me deixando apenas com as roupas debaixo. Olho para seu rosto através do espelho e tudo o que desejo é que sua máscara caia também. Suas mãos permanecem em minha cintura, firmes e estáticas como se ele hesitasse em me tocar, ao mesmo tempo sem conseguir evitar.

Meu corpo começa a se esquentar, mas agora sem o perigo de qualquer incêndio... Zander me deu aulas de como conciliar o fogo interior com o exterior. Então eu queria que aquela sensação durasse para sempre. O garoto terra me tocando, minha pele ansiando para que seus dedos firmes a encostassem, que o atrito entre peles acontecesse. Minha indignação cresceu por aquele tecido fino mas não fino demais que eu vestia agora. Centímetro por centímetro nossos corpos se aproximaram sem pressa, até que minhas costas estivessem coladas em seu abdômen. Meus braços antes inanimados ao redor do corpo tomaram vida para agarrar sua túnica atrás de mim, puxando-o para mais e mais perto. Senti sua cintura se mover para frente, me pressionando porque eu me recusava a escorregar para frente. Minhas veias queimavam dentro de mim, uma confusão de hormônios borbulhando em meu estômago. Mal percebi que nossas respirações estavam pesadas, que quase escorria suor de nossas festas pelo esforço de nós manter longe.

— Jasper está aí? Preciso de uma opinião!

O grito de Alex atrás da porta rosa fez meu coração quase sair pela boa. Em um movimento impressionantemente rápido, já estávamos separados, Jasper sentado na cama e eu atrás do biombo rosa choque enorme no fundo do quarto.

— Eai cara, do que precisa?

Jasper havia conquistado todos os meus irmãos um a um no tempo em que ficou conosco, mas Alex era o que mais o admirava. Kai apesar de respeitá-lo ainda mantinha uma centelha de desconfiança em relação ao príncipe, o que podia ser tomado como prevenção de segurança.

— Vou pedir Trammy em casamento, então pensei que você e Vlad podiam me ajudar....

Saio de trás do biombo vestida a tempo de ver o sorriso de Jasper se alargar. Ele ama ajudar, não importa no que seja. Na primeira semana ele basicamente virou jardineiro e cozinheiro, usando cada resquício de tempo livre para aliviar o trabalho dos servos alegando que ele se tornaria "um problema a mais" se não ajudasse. Edwin por sua vez não se preocupou em dar as caras além dos encontros em reuniões e jantares que mantínhamos pelo bem da corte.

— Acho que você devia levá-la para o lago, já que ela é de Elliwe e se sente bem perto de água. Depois podemos manipular frases de sua escolha para que ela leia antes de te ver ajoelhado e...

Meus ouvidos se fecharam quando minha concentração se fincou em Jasper. No modo como ele se animava planejando as coisas, suas mãos articulando no ar em busca de representações mínimas de todas as ideias em que ele pensava. Os olhos de Alex arregalados em concentração, sobrancelhas erguidas em admiração. Fora de Kibtaysh, eu era acostumada a ver Jasper ser fechado com todos menos comigo. Mas algo em meu reino o fez desabrochar lentamente, quase fazendo parte dali.

Me lembrei de uma das vezes em que a rainha de Orn havia visitado minha mãe quando eu era pequena. Me lembro de correr com Jasper e Kai pelos corredores em uma brincadeira de pega-pega. Estávamos em uma idade em que nenhum dos meus outros irmãos se incomodava em nos dar atenção... então éramos só nós três. Jasper sempre se escondia atrás do forno na cozinha, e eu sempre o seguia. Kai nós procurava por um longo tempo até que mudávamos de esconderijo fazendo muito barulho, então éramos descobertos. Em um desses dias, em que Kai nos achou e eu não quis mais brincar, me refugiei em uma das árvores do jardim para evitar encontrar meu irmão depois da briga que tivemos. Jasper me seguiu e me assistiu chorar. Eu chorava todas as vezes em que brigava com um dos meus irmãos, me sentia traída. Suas pequenas mãos agarraram minhas pequenas mãos depois que consegui conter o mínimo dos soluços. Me lembro de escuta-lo dizer "Ternura e ingenuidade. É o seu rosa.". Memórias voltaram, lembranças de quando ele disse que se casaria comigo. Memórias bem escondidas de uma criança pequena... com elas o entendimento. Finalmente achei sentido naquela frase, encontrei o significado. A cor da minha porta e do meu quarto inteiro. Jasper sabia o significado da minha cor.

Filha de KibtayshOnde histórias criam vida. Descubra agora