Pela visão de Edwin.
Faziam apenas dois meses desde que meu pai havia me expulsado de casa por roubar seu poder. Parte de mim agradecia por essa benção que era ficar longe de seus treinamentos. Já era começo da noite quando arrastei as peles que havia conseguido no dia para tentar arranjar umas poucas moedas de cobre. Ninguém se incomodava em me pagar o justo pelas peles de lobo selvagem que eu era o único capaz de conseguir, mas não importava muito. Eu conseguia juntar o suficiente para comprar uma cerveja de vez enquando, e só o fato de me sentir útil ajudava no dia a dia.
Minhas economias da semana foram direcionadas para uma pederneira, já que a minha anterior estava gasta demais. A loja quase fechava quando consegui finalmente entrar. A atendente me encarou como se eu fosse um pedaço de meleca grudado no tapete, e então perguntou de mal gosto o que eu queria. Pedi a pederneira e aceitei que ela me cobrasse três vezes o valor original. Pelo menos ela me venderia. Peguei minha mais nova pederneira deixando o saco de moedas no balcão da mulher, pouco ansioso para voltar para a floresta onde dormia. Os dias eram suportáveis com os livros que eu conseguia roubar da biblioteca, os vasos de barro que eu tentava fazer e a atividade de caça que eu aprendi também. Mas as noites eram absurdamente congelantes até no verão, como se um véu de frio cobrisse os limites das florestas.
Relutante em voltar para aquele ninho congelante, onde eu não arranjaria uma xícara de chá ou um cobertor quente, decidi caminhar pelas ruas da pequena cidade, para onde eu havia fugido logo que meu pai me expulsou. As esquinas escuras delineadas pelas sombras da quase noite, me arrastaram encantado pelas curvas da cidade. Mergulhei cada vez mais fundo, cada vez mais longe da área de comércio e mais perto das partes abandonadas da cidade.
Foi quando avistei quatro garotos andando pela rua. Eles deviam ter mais ou menos minha idade, mas estavam bem alimentados e vestidos. Isso os deu direito de zombar de mim. Não sei ouvidos e continuei meu caminho até que um deles achou prudente me impedir ao me puxar pelo braço. As cenas seguintes passaram em um flash. Dei um soco no garoto, que caiu de joelhos no chão, em seguida seus amigos correram em nossa direção, um para socorrê-lo e o resto para me atacar. Mas era tarde demais para eles.
O sangue subiu para minha cabeça, ódio me consumiu por completo. Ódio acumulado de anos de tortura nas mãos do meu pai, de anos vendo as amantes dele entrar e sair do castelo como se minha mãe fosse apenas uma máquina de filhos. Anos de ódio ao ver meus irmãos sofrendo sem poder fazer nada, ódio por aquele homem que havia ampliado minha força, criado um monstro. E naquele momento, eu me transformei nele.
Estendi as mãos na direção dos garotos que insistiam em correr até mim, e como se fosse a coisa mais fácil do mundo, arranquei o ar de seus pulmões e os assisti sufocar lentamente. Um fato interessante sobre o meu poder, é que quando ele está direcionado para uma pessoa, não erra o alvo. Mas quando existem mais de dois alvos, qualquer um pode ser atingido. O raio de alcance é relativo. Mas naquele momento, cego como estava, eu só queria ver sangue. Aquela era uma aldeia relativamente pequena, grande o suficiente para não ser chamada de vila. Naquele transe de ódio eu não pensei nisso, não pensei nas pessoas que moravam naquele quarteirão, só queria morte, vê-la e causá-la.
Lembro-me de sangue escorrer pelas minhas narinas devido a carga mental que recebi. Não me lembro de desmaiar, mas sei que acordei muitas horas depois estirado na terra com o corpo dolorido. No meio dos corpos. Quando o transe passou, e saí daquele beco escuro e fedorento, me dei conta de que minha força era maior do que eu havia calculado. Eu havia matado aquela aldeia inteira.
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Filha de Kibtaysh
FantasíaO reino de Kibtaysh é pacífico e harmonioso, até onde se sabe. A família real conjuradora do fogo, leva a paz em suas costas desde muito tempo atrás. Até que ataques direcionados a pontos fracos do reino, fazem todos questionarem a paz pela qual o...