Doze

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Eliah não tirava o tecido do rosto por nada. Haviam se passado oito dias desde que eu havia sido sequestrada, meu poder não havia voltado, mas de alguma forma o fato de o rosto de Eliah ser desconhecido para mim era o que mais incomodava. Tentei imagina-lo muitas vezes, o formato de seu nariz, deduzido pelo tamanho que expressava através da máscara negra, a forma de sua boca e até seu queixo. Mas a única coisa que me sugeria que Eliah era um homem bonito, eram seus olhos azuis como cristais e seus cabelos negros. Alguma coisa queimava nele apesar de seu comportamento perfeito, alguma coisa que o impedia de se aproximar de mim.

— O que está lendo?

Me estiquei por cima de seus ombros para captas duas palavras que fosse, escritas em um dos seus livros misteriosos. Mas ele esticou o braço deixando o objeto fora de meu alcance. Os guardas não tentavam mais me seguir por todos os lados, haviam aceitado minha presença. Eu não teria pra onde ir, não sabia como chegar de volta ao palácio sem ser devorada por ursos ou coisa parecida. Mas não havia desistido. Edwin precisava do meu rosto ao seu lado para que eu o ajudasse a conquistar Kibtaysh e Rithan ao mesmo tempo. Segundo ele, juntos subiríamos ao poder das duas nações, juntando-as em uma só sob nosso governo. Mas eu sabia que assim que Edwin conseguisse colocar as mãos no trono de seu pai, eu nãos seria mais útil para ele, então estaria sujeita a qualquer coisa. Desprotegida.

— Você é muito curiosa. Já te disseram isso?

— Todas as vezes em que tento recrutar oficiais para me ajudarem a arrancar sua máscara.

Eliah ri deixando o livro de lado enquanto bagunça meu cabelo. Ali sentado na grama com as costas apoiadas em uma das árvores da floresta, ele parece quase um garoto normal. Quase consegue disfarçar sua força brutal ou seu talento sobre-humano para conjurar elementos. Sim, elementos, ele consegue controlar todos menos fogo.

— Eu não sou tão bonito quanto você pensa.

Me estico no chão para diminuir o espaço entre nós. Devo admitir que uma certa conexão se formou entre mim e o grande oficial durante o pouco tempo em que passei ali. De certa forma, mesmo com sua insistência em manter a discrição, o rapaz era impressionantemente familiar para mim. Sentia algo de sensível em seu olhar, algo de engraçado em sua máscara, firme em sua voz. Eu tinha a impressão de que se juntasse todos os meus irmãos, isso resultaria em sua personalidade. Na simplicidade desse soldado.

— Asher me diz o oposto.

— Asher não conhece meu rosto.

Brinquei com uma folha seca caída perto dos meus pés descalços. Meus irmãos não haviam procurado por mim, ou simplesmente estávamos bem escondidos demais. Eu não sabia ao certo qual das opções me deixava mais desconfortável.

— Quem conhece seu rosto?

Eliah puxou uma das extremidades da folha que eu segurava, fazendo-a se desfazer em dois pedaços secos. Então ele jogou uma das pernas por cima das minhas, ficando totalmente à vontade com a minha presença.

— Nesse acampamento somente o príncipe Edwin.

— Nem as garotas com quem você dorme?

Me arrependi da pergunta assim que ela atravessou para fora da minha boca. Eu não queria de fato saber se ele dormia com outras garotas, sentia que aquilo me afetaria de alguma forma. Não conversávamos sobre isso, mas eu sabia que ele tinha a própria vida além de aguentar minha presença e seguir ordens do príncipe mimado. Não sabia se estava pronta para saber sobre aquela vida, para saber que eu era a única ali que se resumia ao acampamento monótono em que vivamos. Até Asher devia ter uma garota em sua vida.

— Não durmo com garotas aqui.

A resposta me surpreendeu. E isso deve ter transparecido por meu rosto, pois Eliah continuou:

— Olhe envolta Kali, todas as garotas desse acampamento são soldadas ou servas, ou... você. Não estou em um acampamento de férias, então não vou me jogar para qualquer uma só para suprir minhas "necessidades de homem."

A última frase ele disse fazendo aspas com as mãos. Aquilo realmente me fez sentir melhor, não sei ao certo o porquê. Parte de mim estava disposta a colocar de lado o fato daquele garoto ter me sequestrado em minha própria casa, parte de mim só queria beija-lo mesmo sem conhecer seu rosto. Só seu cheiro e suas palavras eram o suficiente para me manter rindo por toda a tarde, e isso eu nunca havia tido antes. Quando ele se levantou para o almoço, eliminei a parte de mim que sentia vergonha, e deixei a parte imprudente que não suportava a ideia de morrer com arrependimentos dizer:

— Seria tão ruim assim dormir comigo?

Eliah parou no meio do movimento que fazia para sair da parte de floresta em que estávamos, seus ombros visivelmente duros de tensão. Me levantei devagar esperando a resposta, sentindo minhas bochechas queimarem com a demora da resposta. Eliah se virou para me encarar, o que fez meu braço se arrepiar. Estávamos muito perto um do outro.

— Não, não seria... seria muito, hum... interessante.

Imaginei suas bochechas corarem por baixo da máscara quando ele usou uma das mãos para coçar a nuca. Ri por dentro com o gesto, me sentindo realizada por ter deixado o grande soldado com vergonha. Grande mesmo. Sem pensar direito, estiquei a mão até seu peito infelizmente coberto pela camiseta preta, que marcava seus músculos com facilidade. Deslizei a mão até seu abdômen quando ele se aproximou mais ainda, me obrigando a ter que levantar a cabeça para olhar para ele. Seus olhos ardiam em um fogo que eu também sentia, mas antes que eu pudesse avançar mais, ele balançou a cabeça e se afastou rapidamente, como se de repente eu tivesse contraído uma doença grave contagiosa.

— O príncipe quer vê-la depois do almoço. É melhor irmos.

Foi estranho segui-lo de volta para o acampamento bagunçado, estranho sentir os olhares das criadas sob Eliah e sentir raiva por isso. Foi estranho me sentar com ele no refeitório e não receber uma bronca por não comer legumes, ou um beliscão por roubar batatas do seu prato.

Quando entrei na tenda de Edwin naquela tarde, tudo foi ainda mais estranho. O príncipe sozinho dessa vez, não deixou que Eliah me escoltasse, obrigou-me a permanecer naquele cômodo sozinha com ele.

— Kalishta querida, você estava prometida a Finn certo?

Afirmei com a cabeça, me aproximando do príncipe bonito. Uma pequena parte de mim obscura e pervertida queria agarrar o príncipe também. Eu não sabia o que acontecia comigo, talvez a saudade do amor dos meus irmãos ou a carência que Barduc havia deixado. Meus hormônios estavam a flor da pele.

— Certo Edwin.

Eu gostava de como o príncipe mantinha uma relação estritamente profissional a vista de todos, mas entre os panos ele me chamava de garota-cenoura ou pelo nome simplesmente.

— Gosta de príncipes Kali?

Agora já não era desconfortável escutar meu apelido sair da boca de Eliah ou Edwin. Até Asher eu podia suportar pronunciando, era como garantir que eles se importassem com a garota por trás da coroa, como tentar garantir que não cortassem minha garganta durante meu sono.

— Só dos insolentes Ed

Com um sorriso brincando em seus lábios, Edwin fez aquele gesto que eu conhecia tão bem, deslisou suas mãos para os bolsos. Mas dessa vez o gesto foi completamente diferente, dessa vez o gesto me fez arrepiar mais do que o normal, pois quando ele deslisou a mãos direita para fora, segurava um anel de ouro com uma enorme pedra de diamante rosa entre os dedos.

— Era o anel da minha mãe. Por favor fique com ele.

Trêmula, estiquei meu braço para que ele o encaixasse em meu dedo. Não sabia ao certo o que aquilo significava, e precisava deixar tudo as claras, nem que outro casamento arranjado fosse me imposto.

— Isso é um pedido de casamento?

— Ainda não. — com a atenção voltada para os mapas da própria tenda, Edwin disse com suavidade: — Só pedirei em casamento a mulher que escolher me amar. Nunca misturarei as coisas entre nós Kali, aliança e amor, nunca a obrigaria a passar o resto de sua vida com alguém que não ame loucamente.

Ri com a ironia de que meu pai havia tentado exatamente isso. Meu sequestrador prezava mais pela minha vida amorosa do que meu pai.

— Claro que não seria nada mal se você se apaixonasse por mim, e não muito difícil aliás.

Filha de KibtayshOnde histórias criam vida. Descubra agora