Vinte e um

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Abençoado seja o tapete em que dormimos. O pesadelo começou quando o teto literalmente desabou contra a cama . Edwin acordou primeiro, agilmente me arrastando para trás do biombo escuro do quarto. Só percebi as vozes quando o príncipe xingou baixinho por não estar com sua espada.

— Ele disse que ela estaria aqui certo? 

— Olhe para esse monte de tijolos. A garota morreu esmagada com certeza.

Cobri a boca com as mãos e tentei controlar minha respiração. Com o canto do olho, Edwin contou os homens no quarto e se virou para mim, sussurrando de forma quase inaudível:

— Quando eu sair daqui, corra para qualquer lugar fora desse cômodo, entendeu?

Assenti com a cabeça, tentando manter o enjoo sob controle. Observei minhas opções. Correr para o banheiro onde ficava a banheira, um pequeno cômodo no qual Edwin ainda poderia me alcançar com seu poder... ou tentar pular pela janela já que meus aposentos eram no primeiro andar. Mas uma roseira enorme ficava bem debaixo da minha janela. A porta da frente não era uma opção, já que alguns homens a bloqueavam. Mas não tive muito tempo para pensar, Edwin saiu de trás do biombo e chamou a atenção deles.

— O que diabos vocês estão fazendo aqui?

— Ah, o príncipe valente que não estava na festa— uma voz rouca zombou— ele nos avisou sobre você criança.

Esperei o sinal sem nem sequer saber que havia um. Então escutei xingamentos dos homens quando um baque surto irrompeu pela sala, provavelmente acusados pelo vento de Edwin os jogando no chão. Então corri até a janela, e com meus ossos doendo apoiei os braços na borda da janela para pular. Mas a roseira não estava lá, uma cova me esperava do outro lado. Orn. Soldados da terra. Assim que eram chamados... se eu ousasse pisar na terra, denunciaria minha localização além de estar vulnerável a magia deles. Olhei por cima do ombro para ver Edwin suando para manter os cinco soldados longe de mim. Todos corpulentos com olhos azuis de cristal, quase tão altos quanto Eliah. Então a raiva me explodiu. Caminhei apressada atravessando o quarto, quase tropeçando na camisola verde-oliva que esteve no meu corpo durante toda a tarde.

— O que está fazendo? Sai daqui!

— Se quisermos ter uma chance precisamos acabar com eles.

Edwin abriu a boca para protestar, mas minhas mãos já estavam erguidas na direção dos soldados, ascendendo vermelhas de fúria. Eles hesitaram apenas por um segundo, mas se recomporam como se nada tivesse acontecido. Avancei no soldado mais perto de mim, sentindo seu sorriso de triunfo pois pensou que eu era uma pobre princesinha em perigo. Mas Zander me ensinou muito bem, Arlo alimentou meu fogo desde pequena, então em cinco segundos ele estava no chão com uma queimadura pulsante no peito. "Não use chamas, use fogo. Use os golpes e uma pitada de fogo para torná-los letais. Fogo sozinho é inútil." Quase podia sentir Zander dizendo ao meu lado. Quase podia sentir seu hálito das folhas de hortelã que mastigava ardendo em minha nuca.

Corri até o segundo soldado, e esse teve o bom senso de não zombar de quem o atacaria. Ele sacou a espada com uma mão e com a outra mirou no chão. Enquanto isso Edwin já havia derrubado um soldado, e com a espada rouparia deste enfrentava os outros dois restantes. O homem a minha frente espalmou a mão no chão, e uma rachadura começou em minha direção. Mas eu havia sido treinada para esse truque. Fiz uma cara de apavorada para distraí-lo e último segundo, para que seu poder não pudesse desviar o curso, eu pulei para o lado. Seu corte rasgou o biombo em dois. Ele precisava de pelos menos quatro segundos para recarregar. Seria uma luta corpo-a-corpo. Certo. Avancei sobre ele, desviando de cada golpe, aplicando os meus com precisão. Ele não sentiu na hora. Mas assim que me afastei dele, cada centímetro de pele que eu havia tocado fumegava quase virando cinzas. O soldado caiu.

Agora armada com duas espadas, me dirigi até onde Edwin mantinha sozinho dois soldados ocupados. Colei minhas costas as dele e começamos uma cancã desajeitada entre metais. A Luta foi relativamente silenciosa, talvez seja por isso que ninguém se preocupou em nos ajudar. Estavam todos na festa, ou dormindo. As espadas tintilhavam com o impacto e o roçar do aço, música doce para meus ouvidos. Então enchi minhas espadas por um calor que inundou toda a extensão das lâminas, e assim que proferi o golpe seguinte, só precisei de um segundo para partir a espada do adversário ao meio. Escutei um gemido de dor vindo de Edwin, me obrigando a terminar aquilo o mais rápido possível. Enfiei uma da minhas espadas na perna do soldado, e enquanto ele gritava queimei a carne de seu peito com a mão até chegar no coração. Quando tive certeza de que ele era incapaz de respirar, me deparei com Edwin sufocando o segundo soldado. O homem se debatia e arranhava o próprio pescoço desesperado por ar. Mas não havia nada o segurando. Quando terminou de secar o ar dos pulmões do soldado, Eliah me puxou pelo pulso, pois ouvimos vozes pelos corredores. Pulamos a janela e só paramos de correr quando nossos pés descalços haviam alcançado a grama alta do bosque.

Apoiada em uma árvore, senti meus pulmões arderem com a simples tarefa de me manter respirando. Edwin me puxou para si, os braços nas laterais do meu corpo, me inundando com seu ar. Quando a respiração se tornou mais fácil, voltamos a andar em um ritmo lento.

— Por que estamos fugindo se foram eles quem atacaram?

— Porque foi alguém de dentro que atacou. Alguém de confiança. Precisamos continuar sozinhos. Mas não se preocupe, a rainha vai saber o que está acontecendo, e porque fugimos.

A rainha era realmente esperta e observadora. Todas as vezes em que imaginava minha mãe, era ela quem eu via.

— Mais alguns metros e subimos em alguma árvore para esperar o alvorecer. Esse bosque é perigoso demais nessa escuridão.

Argumentei, disse que eu poderia manter meus olhos abertos e ainda caçar qualquer coisa naquela escuridão. Mas minha boca se fechou em um estalo quando meus olhos encontraram a perna de Edwin encharcada de sangue. Seu rosto empalidecia pouco a pouco, parecia que ele poderia cair a qualquer momento, não aguentaria subir em uma árvore. Então o puxei pra fora da trilha, e o relutante príncipe que quase não concordou em se apoiar em mim, recebeu uma onda de dor que o fez ceder. Seu peso era leve demais, foi assim que percebi que ele evitava se apoiar totalmente em mim. Conforme abríamos caminho para longe da trilha, fui tentando ao máximo esconder nossos rastros, até perceber a trilha de sangue que Edwin estava deixando. Deitei o príncipe na grama e me aproximei da ferida que jorrava sangue, um corte aberto do joelho até metade da coxa.

— Você não pode continuar aí.

— Tem linha e agulha princesa? Eu aguento.

Rasguei a parte de baixo da minha camisola, e embolei o tecido ao estender para Edwin, sinalizando para que ele o mordesse.

— Tenho algo melhor. Mas vai doer.

O príncipe não recusou, apenas mordeu o tecido e esperou a dor. Subi em cima de seu corpo de costas para ele, de forma que seus braços ficassem presos com o peso do meu corpo, para que eu pudesse terminar de fechar a ferida sem interrupções. Então estendi o dedo fumegante e juntei os lados de sua pele, cauterizando a ferida. O príncipe gritou de dor, mas o grito não foi muito longe devido ao tecido que ele mantinha na boca. Ele tentou se segurar, mas acabou se debatendo levemente, o que não me impediu de terminar com perfeição. Quando afastei meu dedo, o príncipe estava desmaiado.

O arrastei para o cume de uma árvore, e pelo resto da noite permaneci com seu corpo apoiado no meu, meu coração dolorido por seus gritos de agonia. Tentei não pensar nas mortes que causei.

Filha de KibtayshOnde histórias criam vida. Descubra agora