Numa sala consideravelmente grande com uma mesa de madeira marrom escuro que combinava com as poltronas a cerca dela, Zoé se encontrava na poltrona da direita com lágrimas nos olhos e coração apertado. Aquela conversa não estava sendo nada fácil pra alguém que sempre se preocupou em fazer tudo perfeito e que não sabe lidar bem com as críticas, e mais ainda quando suas próprias autocríticas já lhe deixavam sem dormir havia dias.
-Olha queridinha não é por nada não, mas isso aqui está HOR RÍ VEL! Como diria meu sobrinho mais novo, isso aqui está "horrorível", uma mistura de horror com horrível ou sei lá... – Raíssa a editora chefe, falava enquanto andava de um lado para o outro na sala com seus saltos agulha e Zoé sentada na poltrona do centro chorava copiosamente desconsolada. - Eu bem que queria ser mais delicada e não dar uma de megera aqui né, mas me diga, o que é que eu posso fazer? Tô tentando ser sincera com você garota! –Raíssa teve um pouco de bom senso, pegou um pedaço de papel e deu para a menina enxugar suas lágrimas.
Depois de secar o rosto e respirar bem fundo algumas vezes, Zoé finalmente reuniu forças para responder com palavras completas sem interrupções de soluços entre as palavras:
- Olha Ray, eu sei que tá horrível tá. Não é como se eu fosse iludida ao ponto de não perceber que isso que eu fiz tá uma merda. Sim, sei que uma bola de cocô nesse momento tá valendo mais do que o meu talento como escritora. –Raíssa ergueu as sobrancelhas e olhou para a menina como quem diz "que bom que você sabe queridinha". –Acontece que eu não sei mais o que escrever. Antes, eu costumava tirar minhas histórias dos meus sonhos, e vou te contar que eu sonhava muita coisa legal. Mas... agora que cresci, quer dizer, de uns anos pra cá, parece que eu não tenho mais sonhos legais como antes. Eu simplesmente não tenho criatividade pra sonhar, acho que a minha vida perdeu a cor, não sei, de repente tudo ficou tão sério e tão chato. Esses boletos que a vida dá... não dá pra entender... –Zoé nem tinha mais dignidade pra olhar nos olhos de Raíssa, e por isso fitava o chão enquanto falava. - Esses dias achei um boleto dentro da geladeira, juro! Não faço ideia de como ele foi parar lá. – E suspirou deixando que o peso do mundo por um momento se escorasse em suas costas e ela pudesse ser corcunda sem culpa por não se esforçar.
Com uma expressão surpreendentemente suave, Raíssa sentou em seu trono que não era de ferro, mais sim uma poltrona de couro, fitou a menina nos olhos e falou:
-Impossível Zoé. Eu estive aqui estes anos todos desde que você entrou em contato com a editora. Há exatos 7 anos atrás o "Grupo Editorial Rissi" tinha a autora mais bem sucedida e mais vendida do país. Você. Não é possível que toda a sua genialidade de repente de uma hora pra outra tenha sumido assim do nada. Eu não aceito isso! –Raíssa quase chorou também. Apesar do jeito "espontâneo" da editora de livros, o amor e a fidelidade pela sua profissão a fazia sofrer quando um talento para escrita era perdido. Ela podia ter muitos defeitos, mas Raíssa Jacobucci tinha muito respeito e competência no trato com o seu trabalho, afinal, ele era tudo pra ela.
-Me desculpe Ray, de verdade. Eu juro que se pudesse, faria diferente. Mas não dá, simplesmente não dá. –Zoé estava tão triste, que as palavras saíram falhadas no final. Ela também se importava muito com seu trabalho, embora infelizmente nos últimos tempos ele não tenha sido sua prioridade.
Sem querer se comprometer com muito sentimentalismo, Raíssa resolveu usar sua cartada final, o xeque-mate.
-É o seguinte, agora que eu já te dei o dobro de todas as chances possíveis pra você se reerguer, a gente vai fazer do meu jeito. E o meu jeito é muito mais divertido.
-Como assim? O que é que você tá pensando? –Numa mudança repentina de humor, Zoé passou de deprimida para preocupada.
-Primeiro me diga que você vai fazer o que eu mandar, sem tentar dar uma de revoltadinha. –Agora Raíssa trazia um sorriso traiçoeiro no rosto, algo que com certeza era motivo pra que Zoé de fato se preocupasse.
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Querido Contrato
RomanceZoé é uma escritora frustrada de 24 anos que fez sucesso na adolescência contando histórias de aventuras infanto juvenis, e que agora precisa se reinventar no mundo da escrita. A editora com quem mantém um contrato desde então, cobra por resultados...