Capítulo 25 - Métodos Questionáveis

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Um dia depois do casamento, Raíssa Jacobucci havia marcado uma reunião com Zoé para conversar sobre todo o manuscrito que seria enviado para a primeira revisão. Zoé pediu para que Vicente lhe acompanhasse na editora. Apesar dele não poder entrar na reunião, Zoé tinha certeza que a sua presença do lado de fora lhe faria muito bem.

Chegando na editora, Zoé sentia ansiedade, mas não medo. O seu íntimo sentia orgulho da sua história e sabia que o não poderia vir, mas ela estava disposta a lidar com as consequências, mesmo que isso significasse uma bela rasteira. Pelo menos agora ela tinha Vicente para lhe apoiar e prosperar na vida com ela. Pelo menos ela tinha se aventurado em um novo gênero de escrita e não tinha sido de todo ruim. Pelo menos ela se permitiu sair da sua zona de conforto (tanto pelo gênero, quanto pelos assuntos românticos na sua vida pessoal). Pelo menos o que ela tinha escrito, tinha sido de todo o coração, e antes de tudo tinha sido honesta consigo mesma, dando importância para as suas opiniões, aprendendo a se valorizar.

Obviamente a opinião de Ray teria um grande impacto na sua vida. Mas agora essa tal vida significava muito mais do que uma rejeição de trabalho.

Quando Zoé foi chamada para entrar na sala de Raíssa, respirou fundo e confiou que o que acontecesse, seria o melhor para ela. E se sua história fosse recusada, ela iria oferecê-la em outro lugar e recomeçaria se fosse necessário.

Raíssa estava sentada imóvel em seu trono/poltrona. Só o que se movia eram seus olhos, acompanhando a caminhada de Zoé até a poltrona à sua frente. As duas se olharam em silêncio e Raíssa começou a dizer:

- Zoé... Quem é você... Digo, quem é você agora? Neste momento? Gostaria de lhe conhecer... Agora. - Raíssa estava séria.

- Eu sou eu Ray. Te conheço há muitos anos. - Zoé não compreendia o pedido da editora chefe e isso a deixou um pouco mais ansiosa.

- Você me conhece. Eu não te conheço. Eu te conhecia, agora não te conheço mais. Quando li a sua história, você me confirmou isso.

Zoé só conseguiu respirar fundo antes de responder:

- Olha Ray, se você não gostou, tudo bem, eu entendo. Não vou chorar, nem implorar, nem nada do tipo. Eu estou pronta para enfrentar as consequências.

- Mas é exatamente isso que eu estou te falando. A Zoé antiga choraria, imploraria, e faria eu me sentir uma megera. - Zoé ficou ainda mais confusa, se é que isso era possível.

- Ray, não estou entendendo nada dessa conversa.

- Eu sei que todos acham que eu sou uma cretina sem coração. Não ligo, mas a realidade não é bem essa. Eu só tenho uma espécie de tratamento de choque com as pessoas, porque busco sempre o melhor delas. - Ray ficou em silêncio, pensativa.

- Ããã...- A escritora não sabia o que dizer para sua chefe.

- E eu consegui fazer o meu trabalho perfeitamente bem mais uma vez. mesmo que você tenha sido difícil, porque nossa, foram anos hein!

- Tá legal... - Zoé começou a compreender a lógica de Raíssa, pois pelo contexto, era algo do tipo psicologia reversa.

- Percebi que você estava diferente quando li o seu livro, e confirmei assim que você entrou por aquela porta. Sua postura já não era mais a mesma e sua expressão não era a expressão insegura com a qual eu estava habituada. Acredito que agora eu esteja falando com você de mulher pra mulher, e não de mulher pra menina.

Zoé ficou pensativa e um filme foi passando por sua cabeça. O encontro com Vicente, a vontade de sentir algo, a gratidão em estar viva. Tem gente que é capaz não só de te fazer amar, mas de fazer você se amar. Mesmo que por algum motivo a vida tirasse Vicente do seu convívio, o seu olhar para si mesma não iria retroceder. Agora ela sabia que apesar de não ser melhor do que ninguém, também não era inferior e assim não era pior do que as pessoas. Sua história, seu trabalho, suas dores e seus sentimentos tinham tanta importância quanto a história, o trabalho, as dores e os sentimentos das outras pessoas, porque cada um é único e antes de "se aceitar", é preciso "se respeitar" para gostar e valorizar o que se aceita.

- Você tem toda razão Ray. Eu mudei.

Raíssa Jacobucci olhou-a bem no fundo dos olhos por alguns segundos com toda a intimidação que possuía e procedeu dizendo:

- Muito bem. Vamos aos trabalhos. O livro será encaminhado para a primeira revisão agora mesmo. Eu já imaginava que você só iria colocar o que quisesse, mas sabia que se pedisse algo que você não tinha nenhuma intenção de acrescentar, o seu esforço em fazer algo irrecusável iria me trazer um trabalho melhor.

- Então aquilo tudo foi uma estratégia sua pra me fazer melhorar?

- Sim. - Raíssa e seus métodos questionáveis...

- Você já tinha tudo planejado para me manipular? Até quando você me fez chorar falando sobre o contrato? - Ela não podia acreditar que todo o seu sofrimento se tratava de estratégia.

- Em partes. Eu gosto de manter a minha fama de malvada, e a multa por quebra de contrato é real. Só enfeitei um pouco na escolha de palavras. - A sua fama de malvada ia de vento em poupa, mas Zoé não ia dizer isso a ela.

- Bem que você poderia ter tido um pouquinho mais de piedade.

- Isso não é bem o meu estilo. Você sabe.

- E como sei... - Murmurou Zoé.

- O quê?

- Nada. - Melhor não piorar o que já está indo bem.

- Ok. - Raíssa fitou-a desconfiada mas logo seguiu em frente como quem não se importa com a opinião alheia.

- Enfim, voltando ao assunto do livro, você já sabe como funciona, afinal não é a sua primeira vez.

- De fato.

- Eu até poderia ter falado tudo isso por telefone, e depois ter mandado meu motorista levar algum documento que fosse necessário a sua assinatura, mas gosto de ter um contato mais pessoal com meus escritores.

- Tratamento de choque né. Entendi.

- Sim, você entendeu. E também, eu gostaria de saber se você pensou em algum nome pro livro. Você pensou?

- Sim. - O sorriso de Zoé foi crescendo aos poucos.

- E qual seria?

Com certeza, não poderia ter sido outro nome o escolhido.

Querido ContratoOnde histórias criam vida. Descubra agora