Zoé não sabia se ria, se chorava, se ficava feliz, emocionada, com remorso ou pena. O misto de emoções tomava conta de sua cabeça e de seu coração. Tudo que ela pôde fazer foi ficar parada com cara de idiota em pleno estado de choque. Vicente estava se oferecendo de livre e espontânea vontade para ser o seu "rato de laboratório". Quando ela contou a verdade, pensou que o cara fosse ficar revoltado ou pelo menos triste. Mas ele não era como os outros, definitivamente. Era essa atitude e vibe descontraída sobre a vida que fazia de Vicente alguém diferenciado e muito, mas muito mais especial que qualquer um em meio à humanidade.
O garoto observou a hesitação da menina que parecia não ter ar pra respirar e encolheu a mão rapidamente.
- É claro que só se você quiser. Não vou fazer nada que você não queira. Eu te respeito muito. Você sabe né?
- Claro que sei. É que eu fiquei confusa com a sua proposta. Achei que você fosse me odiar depois que eu te contasse tudo. – Confessou a menina cabisbaixa.
- Esse tipo de sentimento não tem lugar dentro de mim, fica tranquila. E... Realmente não tem sacrifício nenhum em ser seu "gigolô". – Seu tom de brincadeira deixava claro que ele não estava nem ao menos um pouquinho infeliz.
- Credo, não fala isso que eu me sinto mais culpada ainda! – Zoé disse incrédula.
- Zoé, você não tem que se sentir culpada, eu sou adulto e estou me voluntariando pro "serviço". Essa não é a primeira vez que eu faço isso.
- Como assim? Você já fez isso com alguém? Você já foi tipo um gigolô de alguém? – Sua pergunta tinha um misto de espanto e curiosidade. Se ele já tivesse feito isso antes, ela com certeza não era tão especial pra ele.
- Não. Eu me referia ao voluntariado.
- Ah tá. Desculpa. – O alívio foi óbvio com o suspirar lento que se seguiu. Vicente como sempre, achou graça.
- Tá tudo bem. – E exibiu outro daqueles olhares de ternura que a menina adorava ver.
Zoé finalmente levantou do banco um pouco tímida e incerta de seus pensamentos e eles seguiram rumo ao prédio que a menina morava que já estava a vista no próximo quarteirão. Vicente aproveitou a deixa para fazer mais uma pergunta:
- Que música era aquela que você tava cantando na hora que eu te encontrei no meio da rua?
- Eu tava cantando? – Ela nem se lembrava como o encontrou, tudo estava tão vivo e ao mesmo tempo... Confuso.
- Tava sim, mas eu não reconheci qual era a música, acho que não conheço.
Imediatamente ela se lembrou e não foi tão difícil, poque era só o que ela cantava ultimamente.
- Ah acho que eu sei qual era, porque eu estou muuito viciada em uma música que não sai da minha cabeça e eu fico cantando o tempo todo. Se chama "August" da Taylor Swift! É que o álbum que tem essa música é meio que novo então eu ainda estou naquela fase do limbo sabe, quando a gente só consegue escutar aquelas músicas o tempo todo e pensar naquelas músicas o tempo todo. Mas "August" é a minha preferida do álbum apesar de ter outras realmente muito boas.
- Caramba, você parece gostar mesmo da Taylor Swift né. Fiquei até curioso, vou escutar essa música quando chegar em casa!
- Eu adoro essa mulher. Você não vai se arrepender, pode ter certeza! Prevejo um futuro lindo pra você, dando uma de Sherlock Holmes sempre que ela der as caras e criando teorias em cima de tudo que ela postar.
- Você faz isso? – Ele parecia espantado.
- Com certeza.
- Então tá bom.
E chegaram em frente o prédio de Zoé.
- Mas peraí, isso não é justo. Eu te dei a faca e o queijo na mão. Eu praticamente te dei ouro. Quero receber algo em troca!
- Como assim? – O garoto não fazia ideia sobre o que Zoé estava falando.
- Você vai ter que me mandar uma música também. Uma música que você ache que eu não conheça pra ser mais legal. – Conhecer músicas novas era uma paixão para ela, e o gosto musical diz muito sobre uma pessoa ela pensou.
- A gente podia fazer isso toda noite, tipo, uma música por noite, você me manda e eu te mando, pelo whatsapp mesmo. Mas sempre tem que ser alguma que a gente ache que o outro não conhece.
- Adorei a ideia! Nosso repertório musical vai ficar muito maior. Tem horas que a gente cansa das próprias músicas e só queria algo novo que fosse muito bom. Que ideia "fodástica"! – Os dois sorriram.
- Combinado então. Bom, agora eu vou voltar pra minha casa, já que você está entregue.
- Obrigada Vicente. Eu nem sei como te agradecer. Por tudo. Você é um cara muito legal.
- Não tem de quê. Era o mínimo que eu podia fazer pela minha autora favorita!
Depois desse comentário, Zoé queria apertar as suas bochechas com muita força e em seguida guardá-lo dentro de um potinho pra que nunca mais o perdesse e ninguém pudesse fazê-lo mal algum. Mas se contentou em dizer:
- Você é uma graça. De verdade. – E abraçou-lhe bem forte ficando na ponta dos pés para alcançar os ombros de Vicente que além de largos eram bem altos. Ele envolveu sua cintura com os braços um tanto surpresos e se sentiu em casa. Enquanto ainda estavam abraçados ela lhe deu um beijo no rosto e ele retribuiu com outro beijo no rosto dela. O cheiro que um sentia no outro era agradável e aconchegante. Nenhum dos dois queriam se soltar. Até que a menina percebeu que já estava a tempo demais ali e isso poderia não ser legal do ponto de vista de pessoas socialmente ativas já que ela não tinha muita noção de como o mundo normal funcionava, pois parecia um bicho do mato por viver quase constantemente em meio a uma quarentena particular. Assim, ela soltou o garoto.
Se afastando e adentrando a porta do prédio ela falou:
- Boa noite Vicente! Tô esperando a música de hoje tá!
- Tá bom, pode deixar. – Fez um aceno com a mão e partiu.
...
Assim que terminou de comer o miojo de legumes que tinha preparado depois de mexer um pouco no seu livro, Zoé se jogou no sofá e fez a única coisa que fazia o tempo todo ultimamente: imaginou ela e Vicente juntos em situações aleatórias. Não podia evitar. Era uma escritora, e o mundo da imaginação é muito atrativo pra gente assim.
Como que por telepatia (ou não, já que não fazia outra coisa a não ser pensar no cara), seu celular que estava em cima da mureta que separava a cozinha da sala tocou com uma notificação, e ela como já estava "cadelinha" por Vicente saiu correndo e por pouco não bateu o dedinho do pé no canto da mesinha de centro em frente onde estava sentada. Ela pegou o aparelho e voltou para seu lugar jogada no sofá. Era Vicente.
Zoé abriu a mensagem e lá estava um áudio laranjinha, o que significava que era uma música. Pegou os fones de ouvido que estavam na mesinha de centro e colocou para tocar.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Querido Contrato
RomanceZoé é uma escritora frustrada de 24 anos que fez sucesso na adolescência contando histórias de aventuras infanto juvenis, e que agora precisa se reinventar no mundo da escrita. A editora com quem mantém um contrato desde então, cobra por resultados...