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Meu corpo árduo exposto no tumulto que é a minha mente. Minha respiração desconsolada, debilitada, definhando em volta de mim. Mas meu coração ansioso está devorando meu corpo, devorando meus nervos, devorando meu cérebro. Sinto esse veneno lentamente enchendo minhas veias — cada partícula ficando lentamente contaminada…

Senti como se um balde cheio de água gelada e vários cubos de gelo tivesse sido despejado em mim naquela noite. Bom, eu já sabia que a realidade era capaz de chocar, mas o que ninguém me contou é o que várias informações recebidas instantaneamente causam em nossa mente. Sentir como se tudo que eu acreditei durante alguns anos não passassem de uma doce ilusão, me fez deixar de sentir o chão sob meus pés. Eu acreditei que dormir faria com que tudo amanhecesse melhor, menos pesado e menos gélido, mas adormecer se tornou incapaz de amenizar tudo isso. Parece ter alguma coisa me puxando para baixo e eu sinto muito por pensar tantas vezes que mereço isso.

Escuto ruídos clamando a minha volta e por mais que eu tente não consigo fazer meu corpo reagir. Não sei se estou morta ou se ainda estou deitada superfície fria da mesa da boate. Apenas observo, minha vida disposta no piloto automático bruscamente, estou apenas assistindo ao filme da minha vida sem entender a história, sem conhecer os atores e suas motivações. Buscando desesperadamente o controle remoto e mudar aquela situação. Porém, quando finalmente o encontro, a única certeza é que ele está quebrado.

O gosto da bebida na minha língua antes aprazível, me fez pensar que por mais triste que fique, não se pode deixar ser consumido por algo. Principalmente por ele — o álcool.

Os ruídos estão maiores, agora tenho certeza de que morta não estou. Recuperando a consciência lentamente e percebendo que os ruídos que escutava não eram simples ruídos. Era a minha mente clamando por ajuda imediata, necessitando de apego prévio. Minhas lágrimas foram minhas sentenças e, com elas, eu aprendi que um coração partido pode até doer, mas você nunca saberá o que é o amor se antes não passar pelo sofrer. Existir exige tanto e eu sou tão pouco. Em mim qualquer chuva vira tempestade. Sigo respirando dias árduos e pesados em mim.

— Quantos dedos eu tenho aqui?

Maria Luiza gesticulou com as mãos transformando-as no número cinco. Como eu vim para aqui, com Malu? Talvez tenha sofrido amnésia, não faço a mínima ideia de como entrei aqui. Estou deitada ocupando os dois bancos do carona, apoiando minha cabeça em algo macio. Meus sapatos antes postos em minhas mãos estavam colocados no banco da frente.

— Cinco. O que aconteceu? — falei, balançando a cabeça um tanto perdida. — E você não tem carro.

— Primeiro, o carro é de Eliza. Segundo, veja você mesma.

Malu olha através do retrovisor interno e sorri. Rodeio meus olhos pelo carro e percebo que o travesseiro macio era, na verdade, as pernas de Thalita Albuquerque. Meus olhos encontram aqueles intensos olhos castanhos cabisbaixos olhando para mim. A vergonha dissipou cada célula do meu corpo. Minutos antes ela havia roubado a tequila da minha língua, minutos depois estava aí, servindo me dê travesseiro.
Algo não está certo.
Ela estava ali, comigo e não com Katarina Calixto, sua namorada.
Na verdade, eu não me importo. Pode achar egoísta, mas enquanto Thalita estiver por perto, ela será minha — mesmo que não saiba ainda.

A marca de batom vermelho no seu pescoço, provavelmente deixada por Katarina Calixto. Felizmente, meus estragos são emocionais, não físicos.

— Ei — disse Thalita, se mexendo cuidadosamente para não me acordar. Se fosse Maria Luzia comigo, teria jogado me fora do carro. — Tá acordada?

Fiz que sim com a cabeça, virei meu pescoço supõe que 360°, o que fez meu vestido extremamente curto e colado subir. Puxei-o imediatamente quando percebi. Já não bastava meu estômago traçando uma guerra interna, agora tinha também minha coluna comprometida.

— Você está acabada.

— Não mais que você — refutei.
Mesmo estando nervosa e envergonhada não podia evitar meu humor. A vantagem é que esse humor, apenas nós duas entendemos. — Desculpa.

— Desculpa? Por ter me beijado daquele jeito? — indagou, minhas mãos emitiam vexame, já não estava no controle do meu corpo, mais uma vez. Thalita Albuquerque têm esse efeito sobre mim, ela consegue paralisar todos os meus sentidos apenas, existindo.

— Cof.Cof.Cof.

Malu tossiu propositalmente impedindo-me de responder à pergunta dela. Obrigada malu, te amo, sibilei sem que ela percebesse.

— Chegamos ao destino. Vai querer carona?

Ela virou e perguntou adentrando aqueles intensos olhos castanhos escuros cabisbaixos.

— Não, obrigada… A gente se vê, não exagera na próxima vez, o.k.?

Assenti e deixei um sorriso escapar dos meus lábios. Ela sorriu e foi andando em direção a lanchonete, passava das 03 (h) da manhã, comida não iria encontrar. É, talvez eu seja algum tipo de prêmio de consolação. Alguns minutos antes compartilhava a quentura do seu corpo comigo e em seguida compartilhara saliva com Katarina Calixto.

— Fiquei preocupada! Vocês demoraram! — disse Eliza Sanches, vindo na nossa direção.

— Você realmente é muito fraca quando bebe. Estamos bem — disse Malu, apoiando o braço na minha cintura. — É só o começo, Laurinha.

Tinha um rolo de papel higiênico na maçaneta, o que aconteceu nessa noite? Pantufas de animais e correntes presas no abajur, meias listradas na cafeteira, fatias de pizza de milho-verde na cabeceira da cama — o pior pecado de todos. Um caos total!

— Noite das meninas, nada será dito depois de meia-noite
— respondeu Malu, lendo meu pensamento. Nosso pacto feito meses antes, tudo o que acontecia na noite das meninas seria permanentemente esquecido. — Obrigada — entregou as chaves do carro para Eliza.

— Desculpas, Laurinha. — Eliza desviou o olhar para mim.

— Tá pedindo desculpas? Você é uma das minhas melhores amigas, eu fui idiota em escolher ele e não você. Eu amo você — disse, oferecendo a mão — Amigas?

— Fala sério!

Ela pôs os braços no meu pescoço, abraçando. Deve estar empolgada, agora não consigo respirar também. Ótimo!

— Finalmente nosso trio está completo outra vez! Eu amo vocês — Maria Luiza entrou na onda e me abraçou. — Abraço em grupo!

A amizade duplica as alegrias e divide as tristezas.

— Você não pode mentir para mim, eu sou sua melhor amiga.

— Fala sério, Maria Luiza. Estou sendo sincera!

— Então. É verdade que Kevin foi embora por que quis?

— Quase isso…

— Quase isso? — retrucou.

— Estava pensando em Thalita. Pronto!

— Do que você se lembra?

— Quase nada.

— Thalita me ligou minutos depois dizendo que você não estava bem. Quando cheguei na boate, ela segurava seu rosto e o acariciava. Você estava em prantos, não parava de chorar. Ela acha que foi uma crise do Pânico — falou — Estou aqui, eu sempre estarei. Quando pensar em se machucar ou…

— Não faço mais isso. Está bem? Eu só fiquei um pouco abalada e acabei extravasando. Obrigada por ser preocupar comigo.

— Ela se preocupa com você. Da pra perceber. Não a perca. Não dessa vez. Lute como uma garota para ter uma garota.

Porque, na verdade, o que eu levo aqui dentro é maior que tudo. É maior porque é do bem e vem fresquinho. Eu vivo mesmo é de claridade e não vai ser qualquer gentinha à-toa que vai enfraquecer minha fé na vida e minha vontade de sorrir pro mundo.

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