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Eu crio expectativas demais, e isso acaba sempre comigo em tamanhos reais. Mais uma vez eu tô aqui no silêncio desse quarto, com a cabeça barulhenta e os pensamentos longe. O desejo pode ferrar com tua vida. E por mais duro que seja querer muito uma coisa, as pessoas que sofrem mais são aquelas que nem sequer sabem o que querem. Chega a doer. Estou apaixonada e sozinha, uma combinação bombástica, programada para me autodestruir em mais algumas semanas.

Imaginei que tirar algumas semanas de férias fosse minha melhor opção no momento. Sabe, esquecer (ou pelo menos tentar) Kevin Duarte, Thalita Albuquerque, faculdade… Estou a exatamente 4 quilômetros longe da capital. Destino: interior. Voltar as minhas velhas origens, sabe?

Mamãe está contente. Finalmente, depois de 8 meses, estou indo visitá-la. É final de ano, a família inteira está se reunindo na casa de campo da minha avó. E, pelo visto, nessas férias vou ter uma companhia um tanto… desagradável? Papai. Primeiramente, não somos tão próximos assim. Não temos aquela relação de Pai e Filha, entende? Na real, ele nunca se importou tanto comigo. Sempre fomos mamãe e eu desde que me lembro. É como se ele não tivesse participado da minha criação. Apenas ajudou para que fosse concebida.

A estrada é esburacada. Sinto que em minutos os pneus irão rescindir no Sol Quente do Interior de Pernambuco. Eu amo aqui. Foi onde cresci; onde tive minha primeira desilusão amorosa; primeiro beijo atrás da “casa dos advogados”; primeira “namoradinha” — namoradinha não, menina-que-brincou-comigo.

Tudo o que conheço e tudo o que sou é essa cidade.

Todavia voltar aqui lembra todo o processo de divórcio dos meus pais. Eu queria ter tido um pai presente na minha infância.
Anos passaram, do que adianta chorar pelo leite derramado?

— Espera. Vou pedir a ajuda do Renato para carregar essa bagunça toda — diz mamãe, olhando a bagunça que trouxe comigo.

Renato é meu primo mais próximo. Crescemos juntos. Vivíamos juntos. Melhores amigos. Competitivos. Mamãe fala que a competição começou quando tínhamos 1 ano. Era uma “corrida” na cama da Tia Eleanor. O primeiro a chegar ganhava um tomate. Sim, o prêmio era um tomate-vermelho gigantesco do sítio da vovó Teresa. Renato ganhou. Depois, entramos no fundamental e competição era de quem tirava a maiores notas. Em exatas ele ganhava. Em humanas, eu ganhava. Era tão sério que nossos pais separaram a gente de turma. Notas, Corridas, Videogame (essa categoria sou vencedora), dança, canto… Amigos-E-Inimigos-Inseparáveis-Andrade-Quesado.

— Eu carrego sozinha.

Mamãe está vestindo uma jardineira, jeans e uma camiseta florida. As pontas louras no cabelo são recentes, provavelmente foi ideia da Tia Eleanor.

Meu quarto está do mesmo jeito que o deixei. A estante de livros parece intacta; os vários pôsteres de bandas (The Neighborhood, Artic Monkeys, Fifth Harmony), séries (Glee, Pretty Little Liars, SKAM, Grey's Anatomy).

Exceto a toalha branca úmida na cadeira da escrivaninha.

— Renato. Andrade. Quesado.

— Ah! a toalha. Estou passando uns dias aqui.

— Renato. Andrade. Quesado. — repeti, agarrando a toalha, enquanto Renato ria.

Ele sorriu e as covinhas nas bochechas resolveram sorrir também.

— Isso foi antes de eu chegar. Vaza — falei, pegando a toalha e jogando nos ombros de Renato.

— Venceu dessa vez, priminha. Ah, já ia esquecendo. Tio Joélson tá na sala.

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