Quatro: Não era eu

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Se houvesse uma palavra que definiria aquele momento de silêncio no trajeto até restaurante era tensão. Meu pai ia dirigindo, como todas as vezes; minha mãe, no banco carona, junto à ele, ajeitava a maquiagem. Eu estava sentada no banco da porta esquerda, atrás do meu pai, olhando Bia, que estava entre eu e Victor, fazendo algo em meu celular que carregava no carregador portátil - que graças à Deus eu deixei carregando hoje quando saí pela manhã. Víctor estava na outra porta, olhando distraidamente algo pela janela do carro. Seu costumeiro boné estava virado para trás, sua cabeça estava apoiada em suas mãos e seus braços perto do vidro da janela do carro.

Ali, naquele simples instante, percebi que não precisava ter ficado tão irritada com ele. Claro que o que ele fez não foi nem um pouco certo. É considerado agressão por menor que tenha sido o machucado em meu braço. Mas ele estava nervoso. Eu não tinha o visto assim antes por isso não o deixei se explicar. Deveria ter dado uma oportunidade a mais.

Devo ter olhado ele por muito tempo, porque quando percebi, ele me encarava de forma terna com um sorriso no rosto. O segundo sorriso que eu mais gostava no mundo - obviamente, o primeiro era de Bia. Vê-lo me encarando dessa maneira me deixou um pouco corada. Ele deve ter notado, mas não comentou nada, apenas voltou a olhar para adiante da janela, assim como fazia anteriormente.

Soltou um risinho lateral que deixou meu coração batendo mil vezes mais rápido. Por que suas pequenas ações ainda surtiam efeitos em mim? Por quê?!

Tentei me concentrar em Bia que há uns minutos me falava algo, mas eu já estava completamente perdida no que ela dissera. Algo como... Faculdade, desenhos, artes ou escola... nada que eu estivesse prestando muita atenção. Me culpava mentalmente, mas também não estava muito afim de ouvir tudo novamente.

Senti uma freada brusca típica do meu pai quando está em alta velocidade. Meu corpo foi impulsionado para frente. Só não bati a cabeça por conta do cinto de segurança que estava preso passando pelo meu peito.

Olhei pelo vidro da janela e notei que estávamos parados em frente à entrada de um estacionamento grande. Haviam alguns carros em nossa frente, o que fazia meu pai buzinar alterado algumas vezes. O ambiente escuro por conta da pouca iluminação ver muito mais adiante, mas eu sabia que era isso porque meu pai quase nunca se alterava, a não ser pela lerdeza dos outros.

Alguns contáveis minutos ousaram se passar. O ambiente dentro do carro era silencioso e agonizante. Eu poderia escutar a respiração de cada um ali. Sabia que não iriam ficar felizes ao saber da minha discussão com Víctor na universidade, então me fingia da certinha que não passava nada. Uma péssima versão de mim mesma que cultivo desde sempre. Sempre senti que daria uma boa impressão para as pessoas se fizesse tudo certo. Mas acontece acontece que eu não sou perfeita, então mostrar essa parte de mim que eu não tenho sempre foi um desafio.

Escuto uma palavra ingrata vindo da boca de meu pai e reviro os olhos sentido os estômago embrulhar. Acontecia isso sempre que me sentia desconfortável numa situação. Olho novamente pela janela semi-limpa do carro e noto ter estacionado.

Ao som da trava de segurança da porta sendo desativada, retiro meu cinto e peço para Bia meu celular, que a mesma me devolve sem reclamar.
Ajudo minha irmãzinha a desativar o cinto dela recebendo um caloroso abraço de agradecimento logo em seguida.
Pego a pequena bolsa preta disposta em meu colo e guardo meu celular dentro da mesma, e, logo a seguir, coloco sua alça entre meu braço direito e abro a porta.

Ao tocar a planta dos meus pés no chão, ajudo Bia a sair. Suas perninhas ainda são muito curtinhas para ela conseguir sair do veículo sozinha.

Bia: Valeu, Lena - Sorri para ela. Seria minha salvação durante a noite, eu sabia.

...

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