Onze: "Anão de Jardim"

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Eu fechava os olhos e lembrava cada palavra minuciosa que não era proferida à mim, mas sim escondida de mim. Não eram flashes, não eram picturas, não era como se eu visse um filme que faltassem cenas, não! Era como um filme que não saía da minha mente porque me causou dor, e eu lembrava das mais horríveis partes. As mais terríveis cenas se impregnaram na minha mente e não quis mais sair.

O sol ainda não havia nascido quando saí de casa. Não! Não fugi. Apenas precisava de ar e clarear minha mente, visto que mais uma noite eu não havia conseguido dormir nem sequer um segundo.

As ruas de Buenos Aires ainda não estavam muito movimentadas, de forma que eu me permitia andar no meio das ruas mais vazias enquanto meus pés tomavam uma direção e minha mente, mesmo não sabendo para onde ia, não protestava.

O clima não alterava muito meu humor. Frio demais para o meu gosto. Por isso e muito mais estava irritadiça. Enquanto caminhava, meu olhar se prendia aos meus pés e pelo pouco que dava para ver além deles. Pouco prestava atenção nas lojas que abriam nas avenidas pelo horário já estar por volta das seus e meia da manhã. Alguns poucos movimentos me tiravam a atenção, mas nada relevante.

Eu tinha certeza que não reconhecia onde estava, porque, ao olhar em volta, não vi nenhum ponto de referência pelo qual me pudesse localizar. Mas, de qualquer forma, não consegui me obrigar a parar. Não queria voltar para casa, de qualquer modo.

- Helena? Lena!! - Pude ouvir alguém me chamando, mas não consegui reconhecer a voz. Talvez fosse o sono. Isso! Devia ser o sono, não o fato de que a minha mente estava a mil por cento pelas últimas quatro horas.

Continuei andando, mas senti alguém me segurando pelo braço antes que pudesse virar a esquina (ou seguiria reto? Não sei, meus pés definiriam). Não pude constatar na hora quem era. Mas, ao sentir seu inconfundível toque suave sobre meu queixo, incentivando-me a olhar para cima, me dei conta.

Thiago: Lena!! Está bem? - Chacoalhei a cabeça para me tirar completamente do transe que me punha desde que saira de casa. Vi sua expressão preocupada se intensificar ainda mais com minha falta de resposta.

Puxei o ar frio da manhã profundamente, tentando não pensar no que me atormentava. Na falta de confiança que tiveram em mim. No que me tirou da cama às cinco da manhã por não conseguir encarar aos meus pais frente à frente.

Thiago: Como chegou aqui? - Mudou a pergunta e, olhando em volta percebi que estávamos perto de sua casa. Realmente, eu me fazia a mesma pergunta.

Helena: Eu-eu não sei. Para ser bem sincera. - E quando percebi já estávamos andando sem dizer nada, com aquele silêncio comum entre nós. Mas esse não parecia confortável para ambos. Seu rosto exalava preocupação em demasia, já o meu, sono, com certeza.

O mirei de cima à baixo discretamente e pude constatar que ele provavelmente havia ido no mercado logo pela manhã. Um detalhe muito inútil, se queria saber. Ele parecia bem disposto e acabado de correr uma maratona.

Nossas mãos estavam atadas e entrelaçadas e sua palma queimava ao encontro da minha, mas eu não ligava. Eu gostava daquela sensação ardente que tinha com seu suave toque sobre minha pele, não queria (nem iria) protestar.

Não sei o que acontecia, mas parecia que ele me guiava, embora andássemos juntos, no mesmo ritmo de passadas. Calmamente e sem pressa, ainda porque eu não tinha destino. Eu não sabia para onde ia e nem queria saber. Queria que meus pés me guiassem. E, bom... meus pés me guiaram juntamente com os dele.

Thiago: Quer contar o que aconteceu? O porquê de estar tão mal. - Perguntou enquanto eu tentava me equilibrar no meio fio da calçada, como qualquer outra criança de seis anos faria. A diferença era que eu não tinha seis anos.

El Destino | ThianaOnde histórias criam vida. Descubra agora