Capítulo Vinte e Um

395 88 720
                                    


Eu tateei antes mesmo de abrir os olhos. Uma superfície confortável, um agasalho grosso cobria o meu corpo, mas eu sentia o ar gélido entrar e dar-me um casto beijo em meu rosto.

Então abri os olhos.

Minha visão focou primeiramente no teto, constituído de uma madeira escura, mas ao mesmo tempo acolhedora. Aconchegante. Como em casa de avó. Sim. Definitivamente aquilo me dava uma falsa impressão de se sentir no meu lar.

Pisquei, sentindo tudo voltar como uma avalanche de uma única vez. O sentimento quentinho que brotava em meu peito foi empurrado novamente lá para o fundo, deixando que os acontecimentos recentes me engolissem por inteira em questão de segundos.

Você é uma filha que nenhuma mãe desejaria ter, Kally.

Minha garganta se fechou e de repente me sentia sufocada com todas aquelas camadas de pano sobre mim. Meu cérebro demorou para processar a informação de que eu estava entrando em estado de pânico, que eu me sentia uma completa estranha no meu próprio corpo.

Meu peito descia e subia rapidamente, parecia que eu me afogava, afogava, afogava naquele mar de tecidos grossos. Eu não conseguia achar o final daquele edredom. Simplesmente não existia um.

O medo se fez presente no momento em que o cenário ao meu redor mudou. Fui engolida por um vácuo negro de um coração partido. De longe eu avistei uma luz branca. Mas parecia tão, tão longe.

Eu fui engolida. Consumida. Devorada. O breu se fazia presente como um velho amigo que batia a porta despreocupadamente, ansiando por um abraço de saudades e um beijo de melancolia.

Oh, céus. Onde estou?

O desespero trouxe consigo uma linha tênue de angústia. Que assolava dentro de mim, que me estripava viva. De dentro para fora. Não sentia meus músculos. Nem braços nem pernas. Nada. Somente a dor que se fazia presente em toda a extensão de meu corpo, dores que eu não fazia a mínima ideia de sua causa.

Eu sabia que aquele pedacinho branco resplandecente era a saída, mas ao mesmo tempo que eu queria ir embora, eu também queria ficar e ficar e ficar. Queria permanecer naquele silêncio acolhedor e tranquilo pra sempre. Eu queria aqueles minutos de paz. Eu os merecia.

Por um instante desejei que alguém me lembrasse de respirar novamente.
A dor era lancinante, me arrebatava de todas as formas, maneiras e jeitos. Eu não conseguia gritar. Eu queria gritar. Perder a voz. Mas algo me prendia. Algo prendia a minha voz assim como o meu corpo.

Deitada de barriga pra cima. Parecia que eu estava flutuando. Boiando naquelas ondas calmas de um silêncio ensurdecedor.

Um sussurro ecoou naquele mar de escuridão. A voz de alguém. Alguém falava comigo. Eu não estava sozinha.
Olhei de soslaio. Não podendo mover, de fato, a minha cabeça para observar com mais exatidão o que quem estava vindo em minha direção.

Uma sombra vinha nadando lentamente até mim e eu fiquei parada, estática em meu lugar. Não era como se eu pudesse me mexer. Não havia escolha alguma. Eu estava presa por correntes invisíveis.

Sentia a minha palma soar, minha testa ser dominada por gotículas de água, que se acumulavam e acumulavam e acumulavam. E eu tinha a impressão de que poderia me afogar nelas.

A sombra parou ao meu lado. Ela tinha somente uma forma, semelhante a curvas de um ser humano. Mas era uma sombra. Apenas isso.

Eu só sabia. Entendia que ela, aquilo, era vivo.

A analisei por meio de minha visão limitada. A Sombra tinha o seu braço direito inteiramente coberto por pinturas. Raízes. Veias. Que partiam de um ponto de suas costelas e tomavam vida pelo seu braço. Tanto grandes quanto pequenas. Grossas e finas. Elas eram incrivelmente harmoniosas em sua mistura. Belo. Aquilo era muito lindo. Algo que nunca havia visto antes.

Prisão Elementarius Onde histórias criam vida. Descubra agora