𝑺𝒆𝒏𝒕𝒊𝒎𝒆𝒏𝒕𝒐𝒔 𝒅𝒊𝒇𝒆𝒓𝒆𝒏𝒕𝒆𝒔 ☹︎

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Uma fogueira, uma parede e um verso de Clarice Lispector às vezes é tudo o que  precisa para seguir em frente.

Não posso dizer que não chorei, pois estarei mentindo. Devo ter derrubado uma ou duas lágrimas durante a volta para casa, mas depois tomei a decisão de não me deixar abalar por uma coisa que eu já sabia que ia acontecer. Estava na minha previsão do tempo interno. O que eu fiz foi a mesma coisa que colocar a roupa no varal sabendo que ia chover.

Sim, no mínimo, foi muita falta de inteligência. Cheguei  a  minha  casa  me  sentindo  derrotado,  parecia  que  tinha  levado  uma pisa.  Abri  a geladeira, cheio de fome, e dei de cara com a porcaria do pudim de morango. Devo ter devorado umas três fatias enormes. Só sei que comi como se não houvesse amanhã. Acredito que tenha chorado um pouco mais enquanto devorava o pudim, não sei  ao  certo.  Estava  aéreo.  E um  pouco  alterado pelo álcool também.

Era  a  primeira  vez  que  eu  chegava  tão  cedo  e  tão  sóbrio depois  de  uma  festa como  aquela. O relógio  do  celular  marcava  uma  e  meia  da  manhã  quando,  depois  de  um banho,  deitei  na  cama.  A mesma que guardava lembranças que eu queria esquecer. Foi impossível não me lembrar delas, mas eu tentei ao máximo. Fiz de tudo.

Estava cada vez mais evidente para mim que estava precisando de um colo. Um tipo de consolo silencioso que eu só conseguia receber da minha família. Nem sabia o quanto o olhar da minha mãe faria falta. Nem o quanto a ausência do beijo de boa noite do meu pai doeria. Até mesmo a Saaa e o Yudi rondaram os meus pensamentos.

Descobri que estava morrendo de saudade de todo mundo. O pior de tudo era que fazia apenas uma semana que tinha me mudado. Depois de pensar um pouco mais, percebi que não passava de uma homem mimado. Acredite, foi um  grande  passo  para  o  meu  autoconhecimento.

Sempre  pensei  que  fosse um homem maduro, precocemente  autossuficiente,  mas  pelo  visto  não  passava de um garotinho que não podia ver problemas e já queria ser paparicado. Antes, eu sabia o tempo todo que teria braços quentes para me consolar  caso  algo  desse  errado,  contudo,  naquele  momento,  não  tinha  mais nada  além  da  minha consciência e discernimento.

Contava apenas com a maturidade, e acabei descobrindo que não era tão grande quanto imaginei que fosse. Fechei os olhos, saboreando o gostinho estranho de descobrir quem realmente sou. Sorri, porque aquela era mais uma aprendizagem que só a solidão completa pôde me oferecer. É engraçado os meios que a vida se utiliza para nos fazer crescer, isso para não dizer perfeito.

Ver a minha história sendo construída,  perceber  que  estava  aprendendo  em  uma  semana  coisas  sobre mim  que  não  descobri  em vinte e oito anos, só podia ser uma dádiva. Um presente dos céus. Gosto  de  ver  sempre  o  lado  bom  das  coisas,  e  embora  estivesse  com  o  meu coração  bem apertadinho,  coloquei  na  minha  cabeça  que  todo  aprendizado  requer  dor. Mudar  de  conceitos  é  um processo amargo, afinal, ninguém quer descobrir  que  esteve  errado, imagina  o  de  transformar  o autoconceito?

Certamente dói demais. E é muito solitário. Escutei a porta da casa do vizinho se abrindo. Permaneci quietinho, apenas analisando cada ruído que  Calvin  fazia.  Fechou  porta,  abriu,  andou  de  um  lado  e  do  outro, abriu gavetas (eu  acho), depois sumiu. Deve ter ido tomar banho. Só sei que, depois de alguns minutos, percebi que estava bem atrás de  mim.  Deitado  em  sua  cama. 

 𝘖 𝘎𝘰𝘴𝘵𝘰𝘴𝘢𝘰 𝘋𝘰 105 ꧁☟︎︎𝕵𝖎𝖐𝖔𝖔𝖐꧂ Onde histórias criam vida. Descubra agora