𝑼𝒎 𝒂𝒋𝒖𝒅𝒂𝒏𝒕𝒆 𝒅𝒆𝒍𝒊𝒄𝒊𝒐𝒔𝒐 ت︎

985 121 10
                                    

Não posso me esquecer de que o meu vizinho safado é um safado

Acordei cedo só para não perder o costume, e  acabei não me arrependendo porque as minhas entregas começaram a chegar a partir das oito horas. Nem eu tinha consciência de que havia comprado tantas coisas novas; sofás, aparelho de  jantar (mesa e quatro cadeiras), mesinha de centro,  um rack para sala, um para o meu computador e uma mesinha menor para cozinha.

Nem sinal do meu vizinho. Estava com vergonha de chamá-lo para me ajudar na montagem. O que  aconteceu  durante  a  madrugada  estava  me  enchendo  de  angústia;  o aperto  no  peito  não  queria passar,  e  o  frio  na  barriga,  idem.  Meu  cérebro  tentava  dar  explicações malucas  para  justificar  as minhas  atitudes  (acredite  quando  eu  digo  que  a  minha  mente  fértil  elaborou todas  as  artimanhas mirabolantes  possíveis),  mas  a  verdade  é  que  me  arrependi  de  ter  feito aquilo.

Devia  ter  ficado  na minha. Por  mais  que  eu  quisesse  ter  este  poder,  nada  faria  o  tempo  voltar,  então tentava  não  pensar muito. Só precisava erguer a cabeça e sobreviver a uma manhã inteira com o gostoso do 105 soltando as suas indiretas diretas. Precisava ser forte e, acima de tudo, controlado.
Os meus hormônios à flor da pele não podiam ser mais fortes que a minha razão (embora tenha a certeza de que são). Estava tentando, sem sucesso, montar o rack da sala (acocorado no chão, suado e estressado por não estar entendendo porcaria nenhuma) quando ouvi batidinhas na porta.

Ela estava aberta, por isso apenas  olhei  para  o  lado.  Calvin  estava  sorrindo  (como  sempre),  seminu (como  sempre),  trajando apenas uma bermuda branca, segurando alguma coisa que não consegui identificar. Ergui-me.

– Bom dia, vizinho – murmurei em um muxoxo. A vergonha completa esbofeteando a minha ex cara de pau. Não dava. Sério, estou sendo muito sincero quando digo: não dava para observá-lo sem desejálo.  Era  impossível.  O  cara  era  lindo  demais.  Sorrindo  daquele  jeito,  então, fazia  qualquer um com sensatez (como eu) mudar de ideia em menos de um segundo.

– Bom  dia,  vizinho –  saudou  todo  contente.

– Desculpa  a  demora,  estava procurando  isso.  Ergueu uma maleta preta e grande em uma mão.

– O que é isso?

– Ferramentas.  Você  nunca  vai  conseguir  montar  isso  sem  uma  furadeira.

Aproximou-se  da bagunça  que  eu  tinha  feito.  Havia  pedaços  infindáveis  de  madeira  e  pregos de  toda  a  qualidade espalhados  pelo  chão.  O  manual  estava  todo  amassado,  jogado  em  um canto. 

– E a minha  furadeira trabalha que é uma beleza!  Piscou um olho. 3,  2,  1...  Começou  o  primeiro  round. 

Daquela  vez,  eu  só  ficaria  na retaguarda.  Ele  não  ia  me atingir. Não ia. Soltei  um  suspiro  enquanto  ele  se  ajoelhava  no  chão  e  abria  a  tal  maleta. Havia  de  tudo  um pouco ali dentro.

– Belas ferramentas – comentei sem querer, esquecendo-me de que tudo o que eu falasse seria usado contra mim. Calvin  ergueu  a  cabeça  e  sorriu  com  malícia,  mostrando  seus  dentes maravilhosos  e  a  curva perfeita  da  sua  boca ,  que,  por  sinal,  estava  me  chamando  aos berros. 

Quase  tampei  meus ouvidos, só não o fiz porque não adiantaria. Ele tocou no espaço bem ao seu lado, indicando para que eu ficasse ali. Obedeci, pois foi o que me  restou.  Sentei-me  no  chão  enquanto  ele  me  analisava  de  cima  a  baixo. Encarei-o  de  volta.  Cada partícula de mim implorava por alguma coisa que eu nem sabia o que era, ou, talvez por saber bem, eu tentava ignorar.

 𝘖 𝘎𝘰𝘴𝘵𝘰𝘴𝘢𝘰 𝘋𝘰 105 ꧁☟︎︎𝕵𝖎𝖐𝖔𝖔𝖐꧂ Onde histórias criam vida. Descubra agora