𝑷𝒓𝒐𝒎𝒆𝒔𝒔𝒂 ☘︎

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O adeus consensual e com hora marcada me parece atitude de gente que nunca vai conseguir se despedir de verdade.

Já sabia que os próximos dias seriam difíceis. Não fui surpreendido pelos inúmeros momentos em que parei para refletir sobre como estava me sentindo triste. Acho que o pior foi ter que trabalhar mesmo  sabendo  que  não  estava  pronto  para  focar  em  nada  que  não  fosse  a minha  avó. 

O  meu rendimento  só  fazia  cair;  bem  que  tentei  dar  o  melhor  de  mim,  mas ninguém  consegue  fazer  isso vivendo em sua pior versão. As noites eram as piores. Não sei o que há com elas... Parece que a vida se cala só para ouvir todas  as  coisas  pelas  quais você  se lamenta.  A  consciência  me  atingia durante  as  madrugadas,  e  a minha única salvação era acrescentar mais frases à minha “parede da Clarice” (com os pincéis novos que comprei). Colocava  música  alta  toda  vez  que  sabia  que  o  Calvin  estava  com  alguém. E  ele  não  me poupou... 
Não  me  lembro  de  um  dia  que  tivesse  passado  sozinho.  Ele  estava com  o  apetite  (ou  a safadeza) nas alturas. Tentava sempre disfarçar os sons de sexo, mas era impossível. No fundo, sabia que  eu  estava  ouvindo.  Não  tinha  como  não  ouvir.  Mas,  fazer  o  quê? A gente  cura  a  dor  com  o  que pode. Eu tinha uma parede, e ele tinha um pênis. O tempo passava, e eu me sentia cada vez mais vazio. A minha alma se sentia um pouco melhor quando me deitava na cama, virada para a parede, e relia tudo.               
  
Liguei para a minha família todos os dias. Eles não estavam tão diferentes de mim, mas pelo menos permaneciam juntos. E eu só tentava não me deixar ser vencido pela dor. Pensei pelo menos umas mil vezes em voltar para casa. E então, eu parava na frase mais destacada da minha parede.

“Liberdade é pouco.”

Meu Deus, como é pouco. Pensei que tudo se resolveria quando me mudasse. Meus problemas teriam  fim,  minha  vida  avançaria...  Seria  quem  realmente  pensava  que era. Mas não... Tenho outros problemas, outras inércias... E sou exatamente o que eu não sabia que era. Um desconhecido com o mesmo rosto de sempre.

“O que eu desejo ainda não tem nome.”

Estabilidade? Coragem? Maturidade? Afinal, o que eu queria? Ou melhor, do que eu precisava? Às vezes é melhor a gente ter o que precisa do que ter o que a gente quer. Talvez a palavra certa seja autoconhecimento. Eu queria muito poder me conhecer por inteiro. Não saber quem realmente sou me angustia. E de fato coloca em risco toda a liberdade com a qual sonhei a minha vida toda.

A minha relação com o Calvin voltou esfriar.  Devo  tê-lo  encontrado  pelo menos  duas  vezes logo pela manhã. Como sempre, estava aguando as plantas com o famoso regador. Cada bom-dia que trocamos  foi  desanimador,  brochante.  Ele  mal  olhava  para  a  minha  cara.  Eu também  não.  Mesmo assim, sei que me observava quando eu virava as costas. Bom... Tentei não pensar nele. Mas eu não tinha nada melhor para pensar. Sério.

Família: não. Trabalho: não mesmo. Vida  amorosa: piada. Amizades: neca de  pitibiriba.
Por  isso  não  me  julgue, cada segundo em que não pensava na vovó era ocupado pelo meu vizinho cafajeste. Recordava-me de cada palavra, cada toque... De tudo. Percebia o quanto a minha vida era chata sem o seu bom humor constante. Não  devia  estar  com  raiva,  visto  que  me  deixei  ser  decepcionado.  Ele  me avisou.  Eu  que  não acreditei que alguém pudesse ser tão ridículo. Minha raiva sofria variações de acordo com a linha do meu raciocínio. Ora ficava puto da vida, e tinha vontade de sair fodendo o mundo todo só para esfregar na cara dele, ora pensava com mais calma e percebia que fazer isso só me faria ser um homem que não sou, e pior, por causa de alguém que não merece. Se eu queria o respeito dele, precisava, antes de tudo, respeitar a mim mesmo.

 𝘖 𝘎𝘰𝘴𝘵𝘰𝘴𝘢𝘰 𝘋𝘰 105 ꧁☟︎︎𝕵𝖎𝖐𝖔𝖔𝖐꧂ Onde histórias criam vida. Descubra agora