𝑽𝒊𝒐𝒍𝒆𝒕𝒂𝒔 💜

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Povoar a solidão é tarefa fácil para quem tem um monte de gente para amar.

Saí de casa logo cedo e, pela respiração alta que escutei no meu quarto assim que despertei,Calvin ainda estava dormindo.  Dirigi até a casa dos meus pais. Não  havia telefonado ou deixado qualquer  aviso, apenas achei que necessitava de  um domingo em família,como todos os  outros. Talvez a sensação de normalidade fosse o meu melhor remédio. Tive a certeza de ter feito a coisa certa quando encontrei os meus pais, a minha avó e os meus irmãos sentados ao redor da mesa para o café da manhã. Eles quase não acreditaram quando me viram (mamãe  arregalou os olhos e a minha avó, que  normalmente é bem lenta, ergueu-se da  cadeira em questão de segundos).

A recepção foi calorosa. Os beijos e  abraços vieram de todas as partes. Não demorou muito até que a confusão foi instalada; todo mundo falando alto e de uma vez só. Eles jamais mudariam. Fui obrigado a narrar cada detalhe da minha semana. Claro que não falei nada sobre a loucura com o Calvin, porém percebi  comentando sobre ele (também omiti o fato de o meu vizinho ser muito do gostoso e igualmente safado) quando o papai perguntou se eu tinha feito alguma amizade no bairro. Infelizmente, a  ideia de todos irem me visitar foi  levantada em algum momento. Precisei enrolar, dizendo que não estava pronto  para receber visitas, mas claro que ninguém me deu bola.

Marcaram um almoço para o sábado seguinte sem ao menos perguntarem se eu estaria disponível. Bom, pelo menos havia sido um almoço. Calvin provavelmente sairia para o trabalho, e todos iriam embora antes de escurecer.  No fundo, eu não queria que ninguém o conhecesse. Seria muito desconcertante. Minha família já era doida, visualizá-la em convivência pacífica com outro doido – ou seja, o Calvin – não me passava pela cabeça. Tenho certeza de que se juntariam para falar sobre mim daquele velho jeito chato de quem não tem o que comentar, então descobrem um assunto em comum (que no caso seria eu) para falar as mais diversas besteiras. Uma merda completa. Além de tudo, eu não queria que a minha irmã conhecesse o meu vizinho. Sara chega a ser pior do que ele. Sério, a doida é muito safada.

Tenho certeza de que se atiraria em cima do sujeito. Sabendo que ele não é nada  seletivo,com certeza daria em merda. E antes que ela fosse feita, eu não teria coragem de contar para a Sana que ele já tinha “dono”. Quero dizer, não sou dono dele, mas a minha irmã não pode ficar com um cara que fiquei e que por acaso é o meu vizinho, certo? Seria no mínimo muito esquisito.

Só de pensar nisso o meu estômago dava reviravoltas. Passei o dia inteiro com eles. Almoçamos no quintal, como sempre, e depois cada qual foi fazer o que mais  gosta; Sana saiu com as amigas,Yud foi  andar de skate (alegando que iria jogar videogame no vizinho, mas eu o conheço muito bem), papai foi ler o jornal e mamãe foi à missa com a vovó. Acabei  indo com elas. Não me considero tão  religioso assim, mas gostava de ouvir a Palavra às vezes. Sentia-me reconfortado durante toda a semana quando ia à missa aos domingos. E foi assim que me senti  quando saí de lá; acho que Deus abriu  a minha mente e me disse para me manter tranquilo.

Pensei em voltar para casa, mas a minha mãe exigiu a minha presença no jantar. Ela é muito mandona, vocês não fazem ideia. Na verdade, estava acostumado até demais a mandar em mim, só que daquela vez fiquei porque quis. Enquanto eu a ajudava a cozinhar, pensei muito sobre isso. Cheguei à conclusão que, no fundo, a minha mãe sempre me mandou fazer o que precisei. Nem sempre foi o que eu quis, claro, mas essa é a função das mães. Se eu não tivesse sido educado deste modo, certamente não saberia diferenciar o que é bom ou ruim para mim. Ela havia cumprido com o seu dever muito bem. Um filho que não obedece aos pais acaba desobedecendo às regras, às leis e à própria ética... A obediência, por mais chata que seja, é um fator necessário para o bom desenvolvimento de qualquer um.

 𝘖 𝘎𝘰𝘴𝘵𝘰𝘴𝘢𝘰 𝘋𝘰 105 ꧁☟︎︎𝕵𝖎𝖐𝖔𝖔𝖐꧂ Onde histórias criam vida. Descubra agora