Começo a achar que estamos trocando muito mais do que meros favores.
Devo ter dormido em algum momento. A última coisa que me lembro foi de ter o corpo do Calvin embaixo do meu; sua pele quente e as mãos macias me acalentando, tentando amenizar a angústia que se instalava no meu peito. Confesso que facilitou muito. Não conseguia sequer imaginar como aquela noite seria se o meu vizinho não estivesse comigo.
Minha cabeça pilhada havia desistido de raciocinar. Ia explodir se continuasse juntando os meus problemas, sentindo a força deles sem uma separação sóbria. Vovó sempre dizia que todo problema tinha solução, desde que ele fosse tratado como único. Achei que era a minha obrigação acatar seus bons conselhos (não que em algum dia eu a tenha desobedecido ou duvidado de suas palavras, sou o neto mais bonzinho do mundo).
O mais incrível foi quando acordei e, um pouco assustado, descobri que o Calvin estava ao meu lado na minha cama, dormindo calmamente (usando short e a camisa branca de manga comprida que pertencia a ele e vivia em cima do meu travesseiro). Ainda dividíamos o edredom. Fiquei o observando durante longos minutos. Cada detalhe seu foi minuciosamente analisado, e a minha conclusão gerou um sorriso diferenciado instalado em meu rosto.
Sentindo-me perdido, comecei a me mexer um pouquinho. Queria acordá-lo. Embora estivesse com pena, uma olhada no relógio me fez ver que já eram quase onze horas da manhã. Fazia muito tempo que eu não acordava tão tarde. Lembrei-me da situação da minha avó, e logo a angústia total voltou a se apossar do meu corpo. Conferi o meu celular, mas não havia nenhuma ligação. Ainda bem. Sinal de que tudo estava, na melhor das hipóteses, como no dia anterior.
Mesmo assim, resolvi ligar para a minha tia, mãe da Lilian. A ligação acabou fazendo o Calvin despertar. Fiquei observando sua cara de sono – e o sorriso leve apontado para mim enquanto recebia as notícias da manhã. Segundo a minha tia, o estado de saúde da vovó era relativamente estável. Não havia tido melhoras ou pioras, ainda respirava com os aparelhos e permanecia na UTI, onde nenhum familiar poderia visitá-la. Prometi que passaria no hospital mais tarde, independentemente de qualquer coisa. Quando desliguei o celular, ainda deitado, sorri de volta para o Calvin. Ele bocejou, espreguiçando seu corpo grande. Depois, ergueu uma mão para tocar os meus cabelos.
– Bom dia, vizinho. Como estamos?
– Bom dia, vizinho... Estamos bem. Quero dizer, nada novo.
– Isso pode ser bom – sussurrou, ainda me olhando intensamente. Aqueles olhos...
Sério, havia alguma coisa naquele olhar que não estava me deixando ser o mesmo Jimin de sempre.
– Vamos torcer para que este dia seja melhor. – Ficou em silêncio.
– Ah, lembrei-me de mais uma da Clarice:
“ainda bem que sempre existe outro dia. E outros sonhos. E outros risos. E outras pessoas. E outras coisas...”Meus olhos se encheram de lágrimas.
– Parece que ela sempre tem algo a dizer... A respeito de tudo.- comentei, com a voz bastante embargada.
– Verdade. Deve ser bom saber o que falar quando a única coisa bem-vinda é o silêncio.
– Através dela, você acaba fazendo isso, Calvin. Ele sorriu de orelha a orelha.
– Acho que, depois de tantos anos, achei uma utilidade para a minha mania de decorar frases.
Fiquei calado, pois não soube o que dizer. O sentimento de gratidão se uniu a todos os outros. Acredito que era aquele misto de emoções que estava fazendo com que eu me sentisse tão diferente. A minha vida nunca esteve tão longe da estabilidade anterior. Calvin começou a rir depois de algum tempo em silêncio.
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𝘖 𝘎𝘰𝘴𝘵𝘰𝘴𝘢𝘰 𝘋𝘰 105 ꧁☟︎︎𝕵𝖎𝖐𝖔𝖔𝖐꧂
Fanfiction{CONCLUIDA} Park Jimin é um garoto que sempre sonhou com sua liberdade e independência e que finalmente as conquistou quando comprou sua casa própria. Mas junto ao pacote, ele ganhou também um vizinho fora do normal. A única casa colada a sua era...