Este POV pertence à série O Livro de Saint-Malo
Tom disse:
-Você vai deixar, papai? - Angie me perguntou, com aquelas sacolas de supermercado cheias de mato dela, no meio da minha cozinha.
Aqui que eu ia deixar. E não ia mesmo.
-Vou nada. Palhaçada - Resmunguei.
-Isso! - Angie concordou. - Alguém precisa fazer alguma coisa! Eu não entendo o tio Eddie, papai. Juro que não entendo.
Para quem foi praticamente muda a vida inteira, Angie estava falando pra cacete. Mas eu entendia a revolta. Porra, revolta era pouco. Fomos chamados a uma reunião, como se tivesse algo para se discutir, quando na realidade a Malu tomou a decisão de merda de interromper o tratamento na Suíça e, depois da nossa turnê, que já estava polêmica, aliás, sair pelo mundo com o Eddie visitando iglu.
Aprendi a duras penas que amar a Malu era saber abrir mão dela. Mas, na boa, achei que o Eddie cuidaria dela melhor que isso. Parecia que, se era pra tirar a maluquice do seu sistema, eu mesmo teria de agir.
Achei que não tinha hora melhor que agora. Angie nunca demorava muito e, assim que ela saiu e deixou pra trás um matagal na minha geladeira que ia parar todo no lixo, ainda mais agora, que a Lily estava viajando, peguei meu carro e tomei o caminho de casa. A palhaçada maior era essa, eu ainda me referia à casa da Malu como a minha casa. Alguns hábitos demoravam a morrer. Outros, não morriam nunca. E por mais que ela tivesse me chutado de lá, era lá que me sentia à vontade, sabe? A merda era essa, a Malu fazia a gente se sentir bem até no lugar de onde a gente foi expulso. Era a missão dela na vida. A outra era me enlouquecer. De irritação, de preocupação... cite a porra do motivo, e ela me enlouquecia.
Toquei a campainha e Malu demorou uma porrada de tempo para atender. Ia mandar uma mensagem para o celular dela, para quando for que ela olhasse aquela merda, ela me dissesse onde estava, mas de repente o portão abriu. Ela estava com a maior cara de culpada e o canto da sua boca estava sujo de chocolate. Eu devia lhe dar uma bronca, ela tinha de levar a doença mais a sério, cacete, mas acabei dando uma gargalhada.
-Você está com... - Apontei o canto da minha própria boca.
-O quê? - De culpada, ela fez ar confuso.
-Aqui – Apontei de novo.
Porra, a Malu não ia me fazer tirar com o meu próprio dedo. Ela tinha aquela mania de se dar intimidade demais. Mas acho que nem era a culpa dela, a Kay também era assim. De repente era coisa de brasileira. Fosse como fosse, era inapropriado e estranho pra caralho. E me deixava louco.
-Uma mancha de chocolate, Maria – Resolvi ser mais claro.
-Ah – Ela começou a esfregar o rosto. E se virou, entrando em casa – Entra.
-O Eddie não está aí? - Perguntei, andando atrás dela.
-Não, ele foi até a casa da Emily com o Luca. Estou sozinha.
O que explicava o chocolate e era até melhor. O Eddie tinha uma mania fodida de apoiar qualquer insanidade da Malu, por mais imbecil que ela fosse. Eu entendia, em parte. Quando estivemos em Saint-Malo, uma das coisas e parte integrante de tudo o que rolou naqueles dias loucos, tristes e maravilhosos, foi que a gente respeitaria a vontade dela. Mas, ao menos quando eu disse que aceitava o trato, eu havia entendido que sua vontade era viver acima de tudo.
-E aí? Quer beber alguma coisa? - Fomos para a cozinha e ela encostou na bancada da ilha. - Acho que só tem água e suco. Todo o resto acabou na reunião.
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O Lado Escuro da Lua - Primeira Geração
Short StoryEste é um livro de POVs de Canções da Minha Vida e Diários de Malu (Todos à venda na Amazon e cadastrados no programa Kindle Unlimited). Ele é um complemento aos outros livros e não faz sentido se lido separadamente.