(1996) Kate: Agora era oficial. Malu era a pior atriz do mundo

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-E então?

-Ficou bom. Muito bom – Renata olhou em volta, avaliando. – Dá uma ideia de...

-Santuário? – Adiantei, pois era exatamente isso o que eu queria.

-Diria mais uma mansão gótica.

Também estava de bom tamanho.

-Juro que, quando você falou, eu achei que ninguém normal ia querer viver aqui.

Olhei para ela, ofendida.

-Quis dizer normal do tipo chato. Para os anormais legais, o apartamento é perfeito. Quem já viu?

-Só você e o Tommy. Estou pensando em fazer uma reunião, um open house, pra me exibir pra todo mundo.

-Um minutinho – Ela falou, pois seu celular tocou.

Enquanto a Rê estava ao telefone, abstraí completamente da sua presença e fiquei olhando ao redor. Meu apartamento estava simplesmente lindo. Eu e Vince tínhamos ralado pra caramba pra comprá-lo e, depois de mais ralação ainda, finalmente pudemos decorá-lo e preencher todos aqueles cômodos vazios que eu marcava com páginas de revista de decoração. Eu as arrancava e colocava nos quartos e dizia que um dia compraria aqueles móveis e pintaria as paredes daquele jeito, mas o fato é que, quando eu Vince finalmente tivemos dinheiro para botar o plano em prática, eu quis tudo diferente. Perguntei se ele se importava, e tudo o que ele pediu foi que não tirasse o sofá da frente da televisão. Então saí peregrinando por antiquários, comprando tudo que encontrei que fosse pesado, escuro e com cara de que possuía uma história por trás. Terminei com o apartamento mais preto e mais lindo de todo o universo.

-Que estranho – Rê falou quando desligou o telefone. – Sam pediu para eu voltar para casa com urgência e te levar junto.

-Será que aconteceu alguma coisa?

-Ele não estava com voz de que tinha acontecido coisa alguma.

-Será então que ele está com ciúmes, e quer ter provas que você estava mesmo aqui comigo?

Renata revirou os olhos.

-Ai, meu Deus, só me falta! Bom, deixa pra lá – E ficou sentada no sofá.

-Ah, deixa pra lá coisa nenhuma! Agora a gente vai descobrir o que é! – Sou muito curiosa, e nem louca que a Rê ia ficar sentada no meu sofá, bebendo a minha vodca, com um potencial babado acontecendo na casa dela.

Eu a obriguei a voltar. Rê estava mal-humorada, metendo o pau no Sam por falhas que ela ainda nem sabia se ele havia cometido. Ela sempre fazia isso. Sempre arrumava defeitos para todos os namorados, até levar um pé na bunda e ficar chorando pelos cantos. Eu já havia cansado de defendê-los. Não defendia nem o Sam, de longe o cara mais sensato e que mais tinha em comum com ela. Porque fala sério, a Rê namora uma fauna. Quanto mais nada a ver, mais ela quer.

E então chegamos. Rê já subiu as escadas com o dedo em riste, cuspindo desaforo pra cima do coitado do Sam, e então vimos que tinha mais alguém na sala.

Eu levei um baque. Sabe aqueles choques que a gente leva em sonhos, quando vê uma pessoa em um lugar onde ela definitivamente não deveria estar, e fica achando que não é quem você está pensando? Se levantando de uma poltrona quando entramos, vestindo roupas extremamente classe média, cabelos mais curtos... era a Malu! Caraca, era a Malu!

-Aaaaaaaaaaaaaaaah – Eu corri para abraçá-la.

-Kate, você está linda!

-Malu, você também está linda!

-Você que está linda!

Foi todo o teor dos nossos gritos.

Renata, aquela vaca gélida que via a Malu todo ano enquanto a gente amargava as saudades, interrompeu para perguntar o que ela estava fazendo aqui. Fomos tomar chá (sério, qual o problema que esse pessoal tem com um bom e velho café fumegante?) enquanto Malu nos dizia que a mãe dela havia morrido e não havia lhe deixado nada, e que ela tinha vindo ficar até o final de semana. E então eu me lembrei do raio daquela história sem pé nem cabeça do Tommy e do filho deles e a ideia começou a se formar na minha cabeça.

-Bom, então, amanhã vai ser a inauguração do meu apartamento, só a nossa turma – Falei como se já fosse algo confirmado e sacramentado, rezando pra Rê não me contradizer. – E você tem de ir pra eu poder devolver o susto.


-Você vai me assustar?


-Não, vou assustar os outros.


-Então você não vai devolver o susto. Vai passá-lo adiante – A chatinha louca por detalhes respondeu.


-Que saudades, Malu! Como você é insuportável!


Só que eu não aguentava mais me controlar, e perguntei:


-Você está preparada para ver todo mundo?


-Claro que sim – Ela respondeu, com cara de paisagem.


-Todo mundo? – Renata insistiu.


-Óbvio, por que não estaria? Ah, vocês estão falando do Tom?


Ok, agora era oficial. Malu era a pior atriz do mundo.


-Já se passou muito tempo. Foi coisa de adolescente. Além do mais, ele está casado e eu também.

Contei para a Malu que o Tommy (graças a tudo que há de mais sagrado no universo) estava se separando, e a fiz prometer que iria ao meu apartamento amanhã. E então Renata se tocou que as malas estavam na sala e, claro, achou um bom motivo pra atormentar o Sam.

-Eu não acredito que você não falou para ela se acomodar! A menina viajou TRE-ZE-HO-RAS, Sam!

Seguiu-se uma breve confusão, com Renata reclamando, Sam se desculpando, Malu dizendo que não precisava, malas sendo levadas para o quarto e meus olhos bateram nos duzentos porta-retratos da Rê. Destes, cento e cinquenta mostravam o filho da Malu. Nem ela nem a Renata se importariam se eu pegasse um emprestado, certo? Ia só ajeitar a vida da Malu e do Tommy, mas pra isso precisava de provas para mostrar pro Vince.

O Lado Escuro da Lua - Primeira GeraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora