(2004) Tom, Malu e Eddie: O Depois

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Este POV é o último da série O Livro de Saint-Malo

***

Tom disse:

Desci do avião e fui ao bar do aeroporto. Eram onze horas da manhã, mas eu já tinha esperado demais. No avião não serviam uísque, e eu precisava beber. Tinha de colocar a cabeça em ordem. Precisava de perspectiva.

Cara, eu estava em choque. E olha que pensei que já tivesse esgotado a minha capacidade de me chocar.

Pedi uma bebida, e a mulher que me atendeu sorriu, oferecida. Lembrei de outra, que trabalhava no bar do hotel em Saint-Malo e tinha me dado o seu cartão. Uma ruiva de altura mediana, bunda bonita, pernas lindas. Eu ia encontrá-la quando a minha vida fazia sentido, antes daquele terremoto passar.

Há anos que o terremoto passava, e era sempre o mesmo. Se chamava Malu.

Eu tinha ligado para a mulher do bar, combinei de me encontrar com ela, me arrumei e resolvi me despedir da Malu e do Eddie porque, imaginei, treparia com a ruiva gostosa a noite toda e não teria tempo de falar com eles no dia seguinte.

Entrei, aceitei um sushi e um saquê.

E que porra aconteceu depois?!

Se uma garrafa de saquê fosse suficiente para me deixar doido, eu juro que pensaria que estava delirando. Mas sabe por que eu não acho isso? Sabe como eu sei que foi real? Por causa do perfume daquela baixinha.

Nada era ela. Tudo era ela. A minha Malu nunca tomaria a iniciativa como tomou na noite passada. Nunca aceitaria trepar com dois caras, por mais que fôssemos eu e Eddie. Mas o Tom que eu costumo ser nunca teria sido passivo, nunca teria se satisfeito com uma gozada. Eu teria fodido a Malu a noite inteira. Eu queria foder a Malu a noite inteira. Mas é verdade que eu também nunca a dividi com o Eddie.

Já dividi outras mulheres com ele. Ele era meu parceiro em muitas coisas, principalmente na putaria. Mas nunca a Malu. Nunca sequer me passou pela cabeça que ele faria isso comigo. Até porque, eu nunca faria isso com ele. Eu nunca a dividi com ninguém, e não começaria agora, se ela ainda fosse minha.

Porra, se a Malu ainda fosse minha.

Se aquela Malu...

Eu tinha tanto medo daquela Malu. Quando ela começou a mudar, eu quis freá-la a qualquer custo. E ela era uma delícia.

Continuaria não a dividindo, mas poderia me acostumar com ela. Fácil.

Me pergunto se haverá uma nova vez, ou se foi uma tentativa do Eddie de recriar a mágica e aquelas doideiras que ele falou. Aliás, me pergunto se o que aconteceu ontem foi isso mesmo, se ele a dividiria comigo se não fosse uma situação como essa. De qualquer maneira, espero que ele esteja certo e o amor a salve.

Resta a esse filho da puta aqui tocar a vida. E tentar apagar o cheiro dela.

***

Malu disse:

Meus bebês acordariam dali a poucas horas e, em um mundo que girava em seu eixo, eu devia me esforçar para estar com eles às primeiras horas do dia, para a primeira mamadeira do Luca e da Lily e o primeiro café com leite da Emily. Mas era impossível dormir.

Minha nossa senhora, eu era uma pessoa que tinha bebês! Eu era uma mãe que transava com dois homens! A ideia do que tinha acabado de acontecer fazia as minhas bochechas pegarem fogo e me davam uma ardência deliciosa... hum... lá.

-Eddie? - Sussurrei para a sua forma ao meu lado. O dia já devia estar amanhecendo, mas as cortinas estavam fechadas e elas eram bem pesadas. - Você está dormindo?

Eu podia ter gritado "Eddie! Acorda, é urgente!", mas estava grata e apaixonada demais.

Ele se mexeu, ficando de frente para mim:

-Você não?

Sua voz não soou sonolenta, em nada parecendo que ele havia dormido. Pelas aparências. nossos pobres filhos iam ficar abandonados nas mãos das babás no dia seguinte. Credo, mal podia acreditar que havia virado uma daquelas pessoas. Mas também mal acreditava que havia trepado com dois homens. Dois! E os melhores dois do mundo! Não, espera. Os dois homens mais lindos do mundo, os dois homens mais experientes do mundo, os dois homens com o melhor coração do mundo (podem dizer o que quiser sobre o Tom, existe uma linda alma por baixo daquela ogrice toda). Eu era irresistível. Eu era maravilhosa. Eu era uma deusa do sexo.

-Não - Eu respondi. - E nem vem, Eddie, que eu não posso dirigir mesmo!

Ouvi sua risada baixa, sexy (a risada do Eddie é extremamente sensual) e ele disse, me puxando para junto dele:

-Vem cá - E passou a mão por baixo dos meus cabelos, na minha nuca, e começou a fazer seu cafuné pecaminoso, sua tentativa de me fazer dormir. Mas eu não conseguia. Eu não podia. A minha mente estava absolutamente sobrecarregada.

Há muito tempo eu não me sentia tão viva.

Era um barato que nunca mais se repetiria. Meu Deus, eu pensava na próxima vez que visse o Tom, o que com certeza não demoraria a acontecer pois, entre outras coisas, dividimos quatro filhos, e me perguntava como eu agiria. Provável que me enterrasse de vergonha. Mas ao mesmo tempo, eu não tinha nada do que me envergonhar, sabe? Pois havia sido maravilhoso, havia sido acordado e consentido por três adultos, como eu e Eddie combinamos que seria. Uma ideia tão louca e que havia dado tão certo de uma forma tão linda. Nós três construímos algo muito especial e essa história nunca se apagaria.

-Isso teve dedo seu, Eddie? - Perguntei, meus olhos começando a ficar pesados apesar de tudo o que disse nos parágrafos anteriores.

-Isso?

-O que aconteceu hoje.

Eddie riu. Eu já disse que sua risada era sexy? Ah, disse, é que o sono estava começando a bater.

-Não planejei nada, se é isso o que você está perguntando.

-Obrigada de qualquer maneira – falei, minha voz começando a soar engrolada.

-Pelo que? - Sua mão mexia no meu cabelo e era bom... tão bom...

-Por tudo. Vocês me salvaram – E aquela frase foi mais ou menos a última coisa que me lembro de ter dito.

***

Eddie fala:

"Vocês me salvaram"

Aquela noite foi um exemplo de até onde eu estava disposto a ir para salvá-la. Até o fim do mundo e além. Até a estrela dela e de volta à Terra. Até entregá-la ao Tom.

Porque se eu precisasse entregá-la de verdade, eu faria isso. Se agora ela dormisse com ele e não comigo, mas estivesse salva, eu o faria.

Se eu precisasse anular os dois últimos anos, os mais felizes da minha vida. Se eu tivesse de criar o Luca e a Emily sozinho. Se eu tivesse de voltar a amá-la de longe.

Se eu precisasse deixar a nossa casa e voltar à maior, mais vazia e mais assustadora cobertura do mundo. Se eu precisasse encher a vida de experiências que não significavam nada, que mal preenchiam o vazio. Se eu tivesse de voltar ao que eu era. À metade do que eu era, Porque, depois do que vivi nos últimos anos, eu jamais poderia retornar ao mesmo ponto.

Faria tudo isso. Recomeçaria do início, mesmo sem esperança. Antes, eu estava acostumado a não esperar nada mesmo.

Não havia distância que eu não estivesse disposto a percorrer por ela. Mas até que ponto nós realmente a salvamos? Até quando? E o que precisaria ser feito da próxima vez? E a que custo?

Deu certo. Havia sido necessário. Ano passado, quando eu insinuei a ideia para a Malu como uma brincadeira, uma fantasia que seria divertido compartilhar, não imaginava que ela aconteceria dessa forma. Que ela lembraria e que fosse com o Tom. Acho que teria mesmo de ser desse jeito, com alguém que ela confiava. Mas a vida era realmente de uma ironia filha da puta.

Eu não podia me arrepender de nada que tivesse ajudado a Malu. Mas eu não podia deixar de sentir medo.

-O que você quer de mim? - Murmurei para o quarto vazio. Mas a morte estava muda. A cigana não me respondeu. 

O Lado Escuro da Lua - Primeira GeraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora