(1993) Malu: Colecionando revistas... e vendas

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A minha vida é calma, mas tão calma que às vezes beira o tédio. Não estou exatamente reclamando, veja bem. Ela foi programada para ser assim. Só toquei no assunto porque existe um único momento em que ela vira de pernas pro ar, e é durante as visitas da Renata.

Também não estou reclamando. Amo, adoro a minha tia. E ela nem fica hospedada aqui em casa, e sim em um hotel, por vários motivos falsos e apenas um verdadeiro.

Motivo Falso 1: O único lugar que ela tem para dormir é o quarto do Victor, o que o deixa tão agitado que ele não dorme nunca (Não é totalmente falso, mas não é por isso que ela não fica)

Motivo Falso 2: A Rê tem um intricado ritual matinal que inclui Tai Chi misturado a práticas da ginástica da moda, meu apartamento é pequeno, nosso dia começa cedo, ficaria meio confuso (Também não é totalmente falso, mas ela exagera)

Motivo Falso 3: Varia de acordo com a visita. Dessa vez, ela tinha direito à diária por causa do programa de pontos do seu cartão, e os perderia se não usasse (Pode ser verdade, mas sei não)

Único Motivo Verdadeiro: Ela não suporta o meu marido.

É tudo muito injusto, na verdade. O Jean-Claude é uma pessoa incrível, e a única razão para a Rê não o suportar é o fato de ela não aprovar as circunstâncias nas quais nos casamos, ou seja, não devia ser pessoal. Mas é. Não que a Rê o trate mal, mas ela é infinitamente mais antipática do que normalmente, e eu morro de dó, porque dessa vez o Jean-Claude até fez uma reserva para nos levar para jantar (Tá que ele sempre faz, mas é fofo, vai).

A gente nunca consegue conversar muito, pois o Victor quer monopolizar a atenção da Rê, o que já é melhor que o festival de vandalismo e destruição que ele normalmente provoca nos restaurantes. Isso sempre acontece no primeiro dia. Então, no segundo dia de visita, geralmente quando nos encontramos para almoçar enquanto estou no horário livre do conservatório e servindo o almoço do Victor, Rê resolve contar as novidades.

Ah, sim, vou falar mais um pouco sobre isso.

As Novidades da Renata:

Detalhamento de bastidores de coisas que eu já sei, pois tenho uma coleção secreta de revistas. Compro todas as revistas de celebridades, principalmente as inglesas, e as escondo embaixo da roupa de cama passada que fica no baú do meu quarto. Ninguém sabe sobre a coleção, nem a Rê, nem minha melhor amiga Jackie, nem mesmo a minha terapeuta. Não há nada de errado em se comprar revistas de fofoca, Deus sabe que já fiz muito pior, mas ainda assim tenho uma vergonha atroz delas.

Depois do papo do banco, de possíveis futuros namorados, ex-namorados medonhos e atualização da sua dieta e da tal ginástica do momento, Rê falou:

-Adivinha!

Ela sempre começa assim. Corri meu arquivo mental sobre o que a minha coleção de revistas havia me contado: "Iminente turnê dos Angels", "Mulher nova do Eddie", "Kate inaugurando um abrigo para cães abandonados"...

-Os Angels vão sair em turnê de novo e vêm pra cá! – Ela falou, super animada e sem esperar a minha resposta.

-Ah, é? – Perguntei, fingindo que não sabia.

-Vamos, mamãe? Vamos? Vamos? – Victor começou a pular.

-Não, Victor, você não entra em shows.

-Ah, por quê?

-Você é muito pequeno. – E rosnei pra minha tia. – Muito obrigada, Renata.

-Desculpa, é que eu queria saber se podia... Você sabe...

-Não, não pode – Respondi, o coração em cavalgada.

Logo que cheguei, o pessoal queria vir me ver no verão. Renata ligou contando, perguntando se não era a oportunidade perfeita para eu conversar com o Tom. Sim, perfeito para quem tem o timing de Lucífer. Na época, eu estava grávida de cinco meses do Victor, a barriga começando a aparecer, e aí chega todo mundo para me visitar, e eu fodida, confusa, na fossa, perdida, digo "Ei, Tom, tá vendo esse calombo na minha barriga? Foi você que fez!" Mais tarde, os Angels começando a fazer turnês mais longas, Victor nascido e eu, casada, Rê falou que Eddie e Vince queriam me ver quando estivessem com a banda em Paris. A tentação foi grande. Não sou um robô, amo e sinto falta dos meus amigos todos os dias. Talvez se ela dissesse que o Tom queria me ver também, eu tivesse capitulado. Mas o fato de ela não mencionar o nome dele era prova cabal de que muito havia mudado desde que saí de Londres. Que encontrá-los agora, ver que tocaram a vida, que a turma existe sem mim, que saí e meu espaço foi preenchido me mataria de tristeza. Disse que não e voltei para a minha vidinha com meu marido que a Rê não suporta, mas para quem eu sou insubstituível. Coloquei uma venda, decidida que, quanto menos eu soubesse, melhor manteria a ilusão.

Mas comecei a colecionar revistas.

O Lado Escuro da Lua - Primeira GeraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora