(1995) Renata: E depois, a bruxa má sou eu

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A vida mudou muito por aqui. Para início de conversa, finalmente as pessoas desistiram do permanente, especialmente as que não podiam investir em um permanente de verdade e terminavam com um bando de caracolzinhos na cabeça, estilo imperador romano. A época da sombra azul também se foi de todo, e estou muito grata, pois azul definitivamente não é o meu tom, e não tenho nem o que dizer sobre as saias balonê.

Também mudou no meu trabalho, pois ganhei aquela promoção para a qual trabalhei vinte horas a mais que todos os meus colegas, e trinta horas a mais que meus colegas homens, para conseguir.

Mudou no meu apartamento. Tudo mudou no meu apartamento. Troquei toda a decoração da sala e só deixei o piano, comprei uma TV mais moderna que nunca tenho tempo de assistir, e despachei a velha e o sofá antigo para o quarto vago, que transformaria em quarto de hóspedes se alguém se hospedasse aqui.

Aliás, adoraria que a Malu e o Victor viessem se hospedar no meu quarto de hóspedes (que ainda não tenho), e sei que um dia eles virão, mas esse momento parece mais longe que nunca.

É que, quando terminei a decoração, quis dar uma festa. Adoro festas e, modéstia à parte, eu as dou muito bem. Comprei um livro de aperitivos veganos e aprimorei minhas pastinhas de iogurte ao ponto da perfeição. Ninguém percebe que elas não são de maionese e, além disso, cenoura é muito mais gostoso que torrada. Chamei alguns amigos do trabalho, entre eles Donna e Hannah, as mais próximas, e o gatinho novo no departamento, que eu estou a fim de pegar. Chamei também o pessoal da turma. Essa turma, a princípio, seria da Malu, até porque eles são bem mais novos. Mas viraram meus amigos também, primeiro porque namorei um quase-membro, aquele safado filho da puta interesseiro do Adam, segundo porque eu e Kate acabamos virando melhores amigas.

Uma das minhas compras para a sala foi um daqueles CD players supermodernos, com quatro bandejas de CD, que me permitem alternar Mariah Carey, Ace of Base e Spice Girls com um simples toque do controle remoto. Ah, sim, adoro essa nova era dos controles remotos.

A sala foi se enchendo. O pessoal do banco chegou primeiro e, a turma, foi vindo pingada. Adoro a mistura, o tradicional e o novo, os certinhos e os tatuados.

-Gostou do patê? – Perguntei pro Vince, visto que ele examinava um palito de cenoura.

-Ah, show – Ele respondeu. – Mas e a torrada?

-Não é pra comer com torrada, é com cenoura. Olha só – Peguei um palito, molhei no patê e dei uma mordida. Ainda fiz o som para impressionar: – Hmmm. Super saudável, não é você que gosta disso?

-Ah... Claro – Ele deu uma mordida no patê e falou, ainda com a boca cheia. – Então, queria falar com você.

-Comigo? – Fiquei espantada. Eu e Vince nos falamos, mas não somos amigos de verdade e não temos muito assunto. Converso bastante com as meninas, ou seja, Kate e Singe, mais com a Kate que com a Singe, pois esta me dá um pouco nos nervos. Dos rapazes, eu normalmente falo com o Eddie e, com menos frequência, com o Tom.

-Isso. Eddie, chega aí! – Ele disse, através da sala.

Eddie estava perto da janela e chegou em um minuto, e os dois finalmente disseram o que queriam.

-Então, a gente vai fazer Paris mês que vem – Vince falou. – A gente queria deixar um ingresso pra Malu na bilheteria com passe pro camarim pra gente se encontrar e tal.

Quase engasguei.

-Mas... Vocês sabem que ela está casada, né? – Disse a primeira coisa que me veio à cabeça.

-A gente deixa dois ingressos então – Eddie sugeriu. – Cara, a gente está com a maior saudade da Malu, louco pra ver como ela está se virando por lá.

-Ela está se virando bem. Super bem. Só que... só que ela não toparia, ela leva outra vida.

-A gente não pode deixar o ingresso lá e deixa-la se decidir se quer nos ver ou não? – Vince falou.

-Falar em "outra vida" faz parecer que a gente quer fazer mal a ela, Rê – Eddie interrompeu. – Só queremos bater um papo, beber alguma coisa... Coca-Cola, ela ainda gosta de Coca-Cola? Só conversar.

Não consegui responder. Que situação infernal! Adoro aqueles garotos e sabia muito bem que eles só queriam o bem da Malu. Aliás, estava louca para que ela os encontrasse, saísse da toca, parasse de fugir. A Malu não percebe que está virando a Cecília. Tudo que a minha irmã havia feito com ela, ela agora faz consigo mesma. Mas havia prometido que não daria seu endereço, e mesmo as novidades eram filtradas. Eles podiam saber que ela era casada, que tinha um filho, mas não quem era o pai. Claro que todos concluíram que o filho era do velho, e eu era obrigada a encorajar essa crença. Eu parecia a madrasta má, a bruxa da Rapunzel que a escondia em uma torre, quando tudo o que eu queria era que ela pegasse a escada e descesse para se juntar a nós.

-Olha só – Eddie me puxou e eu tentei me blindar. Eddie é muito convincente. – A gente nunca quis que tivesse acontecido o que aconteceu com a Malu, Rê. A gente ama aquela menina pra caramba. Você sabe que a gente nunca faria mal a ela e só quer saber se ela está bem. Eu sei que você já cansou de nos dizer que está, mas ver é diferente. A gente quer ver a Malu, só isso. Dar um abraço nela, sabe? Falar que a gente apoia toda e qualquer decisão dela, desde que ela esteja feliz. Juro pra você, pra mim a coisa mais importante do mundo é ver a Malu feliz.

-A coisa mais importante do mundo, Eddie? – Perguntei, surpresa.

-A mais importante no mundo inteiro. Vamos fazer o seguinte, então. Vou deixar o ingresso para ela de qualquer maneira. Deixo dois. Ela vai com o marido, com uma amiga, com quem quiser. Você só avisa que estará lá, não precisa nos dar seu telefone.

Naquela noite, já era tarde quando eles foram embora, mas liguei no dia seguinte, do trabalho. Malu passou um bom tempo muda no telefone, e depois disse, impaciente:

-Por que é tão difícil eles entenderem que não quero ver ninguém?

-Porque é mesmo difícil de entender!

Mais algum silêncio.

-Foram Vince e Eddie que falaram com você?

-Sim. Eddie falou que deixará os ingressos de qualquer maneira, com passe para o camarim. Você pode ir com quem quiser, é só dar o seu nome. Ele disse que a coisa mais importante no mundo inteiro é te ver feliz. Como você pode desapontar um cara desses?

-Eu... eu não vou – Senti que ela deu uma baqueada.

-Deixa de ser uma jumenta, Malu.

-Posso ser jumenta, mas vocês todos são também, me obrigando a algo que eu já deixei claro que não quero.

Um mês depois, Malu me ligou aos prantos e me xingando. Ela não usou os passes do camarim, mas foi.

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O Lado Escuro da Lua - Primeira GeraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora