Nina Avante tem um plano: até o fim do ano, ela vai revelar aos pais que não pretende continuar naquilo que eles a vem ensinando desde que se entende por gente. Ainda que ela ame tocar piano, a garota sabe muito bem o que quer fazer quando enfim ter...
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EU NÃO GOSTEI do beijo. Talvez eu tivesse passado a noite em claro pensando no que aconteceu se não estivesse tão cansada, mas, depois de dez minutos de reflexão durante o café da manhã no dia seguinte, opto pela opção mais sensata. Eu não gostei do beijo. Eu nem mesmo fechei meus olhos. E todas as coisas que senti durante ele têm explicações muito aceitáveis.
Qualquer pessoa fica nervosa durante um beijo surpresa. O frio na barriga que senti não passa de um efeito colateral do meu nervosismo. Eu estava uma pilha, e as coisas não melhoraram muito quando Carmela entrou no banheiro. E pensar nisso tá me deixando ansiosa. E se ela contar para a mamãe? Não que eu tenha feito algo de errado, na verdade eu sou totalmente a vítima dessa situação, mas...
Eu não gosto de garotas. Eu nem gostei do beijo. E o fato de Iara beijar bem não muda o que eu sinto sobre o que aconteceu. Onde ela estava com a cabeça quando decidiu me beijar do nada? Tá bem que eu meio que sugeri que ela voltasse a beijar o quanto antes, mas eu não devia ter sido a escolhida da vez.
Eu não gostei do beijo.
— Tá tudo bem aí, Nina? — pergunta Mabel quando me vê tropeçar em uma caixa no canto da garagem.
É sábado de tarde e eu não deveria estar pensando nas coisas que aconteceram na quinta-feira. É sábado de tarde e eu deveria estar cem por cento concentrada nesse ensaio da banda, porque é meu dever ajudá-las e não consigo fazer isso quando tô pensando em formas eficazes de matar a minha melhor amiga. Ela não devia ter me beijado e Carmela vai contar tudo para a mamãe. E mesmo que eu não faça ideia do que pode acontecer depois que ela souber disso, eu me sinto ansiosa pra caramba.
— Tá tudo bem — minto, desviando da caixa e buscando umas baquetas menos gastas em cima de uma prateleira. — Só tô um pouco distraída, foi mal.
Entrego as baquetas pra Lana, que me encara curiosa antes de desviar a atenção de volta para a bateria. Ela está pronta pra começar a tocar quando Frida sugere, largando a guitarra e deixando que a alça no seu pescoço segure sozinha o instrumento:
— Não querem dar uma pausa? Cinco minutinhos.
As outras garotas trocam olhares antes de concordar. Vejo Jas largar o baixo no suporte a seus pés, Mabel relaxar a postura no sofá, enquanto Lana passa as mãos pelos cabelos loiros curtinhos, antes raspados, mas que já voltaram a crescer. Frida se afasta, pedindo com o olhar para que eu a acompanhe, e eu a sigo sem jeito para fora da garagem.
— Tá tudo bem mesmo, Nina? Você parece um pouco distraída, e tá assim desde o ensaio de ontem. Aconteceu alguma coisa?
Bem, muitas coisas. Mas eu não tenho como contar nenhuma delas para você, porque nem eu sei como explicar para mim mesma o que tô sentindo. A única coisa que eu sei é que não gostei do beijo, mas vou me ferrar por causa dele. E é injusto, não é? Me ferrar tanto por culpa de um beijo que eu nem gostei.
