QUANDO EU ERA pequena, lembro de ter uma conversa interessante com uma garota. Eu não podia atrapalhar mamãe durante suas aulas particulares, mas sempre que elas chegavam ao fim, eu saía do meu quarto e fazia companhia para qualquer que fosse seu aluno, até que um dos seus pais chegasse para buscá-lo.
Essa conversa em específico aconteceu na minha sala de estar, em uma época distante onde ainda tínhamos um sofá confortável. E a garota e eu conversávamos sobre a caixa de fósforos largada por algum motivo irrelevante no chão da minha cozinha.
— O meu irmão consegue queimar as pontas dos dedos sem sentir nenhuma dor - ela disse, os olhos fitando a caixinha com muito interesse. — Você sabe acender fósforos, Nina?
— Não, a Carmela diz que é perigoso.
Isso era verdade. Eu devia ter uns seis ou sete anos, e ainda não estava muito familiarizada com o mundo das mentiras. Eu era uma criança muito assustada, se quer saber, e pensar em fazer coisas minimamente erradas me deixava apavorada.
— Sabia que o meu sobrenome tem a ver com fogo?
Encarei curiosa a menina, que agora olhava para mim com os seus olhos grandes e castanhos.
Não lembro o que respondi, nem mesmo sei se insistimos nesse papo. A única coisa de que me recordo é que, assim que Frida Tropelia saiu da minha casa naquele dia, eu apanhei a caixa no chão e, ainda em pé no meio da cozinha, acendi o meu primeiro fósforo.
Espero paciente mamãe sair de casa na quarta à noite, avisando que não demora no mercado. Carmela está estudando no seu quarto, então vou nas pontas dos meus pés até a suíte dos meus pais. Papai nunca está em casa, e hoje em dia é raro até quando aparece durante os fins de semana. Muito trabalho, e viagens de Velha Laguna até Alto-Mar são demoradas e cansativas. Por isso, o quarto deles mais parece um quarto só da mamãe: roupas dela espalhadas, maquiagem na penteadeira, saltos na sapateira. Me pergunto se papai também se sente um intruso quando entra aqui, assim como eu nesse exato momento.
Preciso comentar que mamãe é uma típica senhora de meia idade. Ela pode não ser velha de verdade, mas é de espírito, e hoje eu agradeço por isso. Porque graças aos céus Dona Ângela nunca anota nada no celular ou em e-mails ou arquivos online. Tudo que ela considera importante está guardado nas suas agendas.
E ela tem um monte. Encontro todas empilhadas em uma gaveta da mesa de cabeceira, juntando poeira e informações desnecessárias e a esse ponto inúteis. E se minhas contas estiverem corretas, eu acharei o que procuro na agenda preta com os números 2-0-1-0 gravado na capa.
Bingo!
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Garotas Rebeldes em Combustão
Ficção AdolescenteNina Avante tem um plano: até o fim do ano, ela vai revelar aos pais que não pretende continuar naquilo que eles a vem ensinando desde que se entende por gente. Ainda que ela ame tocar piano, a garota sabe muito bem o que quer fazer quando enfim ter...