Deveria

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Música do capítulo = The Last Time

Já havia perdido a conta de quantas ligações havia rejeitado desde aquele dia no Passista. Primeiro as de Rafaella, que tentava contatá-la para conseguir uma nova tentativa para explicar-se. Depois, as de Thelma, que rejeitou por saber que se a mais velha viesse até ela a desvendaria por completo, e a faria conversar sobre as mentiras recém-descobertas e que a tinham despedaçado. Por último, fez o mesmo com as de Mari, mesmo sabendo que essas ela deveria ter atendido, mas não confiava o suficiente em si mesma para não começar a chorar no momento em que a cunhada perguntasse o que aconteceu, então enviou uma mensagem de texto explicando brevemente a situação e desligou o celular, ficando alheia ao mundo por alguns dias.

Volta e meia o Bicalho's passava por sua mente, e ela se preocupava com seu funcionamento, só para lembrar que ele estava em boas mãos e que Mari já havia cuidado dele em outras ocasiões. Sentia falta daquele lugar, que era quase que uma segunda casa para ela, mas precisava arrumar as coisas dentro de sua cabeça e de seu coração antes de voltar, como poderia ser responsável por fazer as pessoas felizes através de sua comida quando ela mesma não estava?

Durante os três primeiros dias, mal saiu de seu quarto, com medo das lembranças de Rafaella que sua própria casa a faria ter. A presença dela ali era sufocante, cada cômodo trazia um momento com ela, e isso a impedia de esquecer, de tentar perdoar, pois tudo que conseguia pensar era que enquanto eles aconteceram, Rafa mentia. Nas diversas noites deitadas no gigantesco sofá da sala de TV, ela mentia. Nas aulas quase desastrosas de culinária, nos jantares improvisados, nos almoços combinados, nos beijos trocados. Em cada uma dessas situações, ela mentia, omitia e lhe tirava o direito de fazer uma escolha. Três dias e a mágoa e a sensação de traição ainda não haviam passado, continuavam ali como um lembrete da situação. Não aguentava mais chorar, mas também não se sentia capaz de fazer qualquer outra coisa, então não fazia, e ficava estática sobre sua cama, esperando que o tempo cure a ferida, não é isso que todos dizem que acontece?

Estava, mais uma vez, perdida em seus pensamentos e emoções quando ouviu a campainha tocar. Repassou os possíveis rostos que encontraria no outro lado da porta de entrada, e o que faria em cada caso. Thelma foi a primeira possibilidade que lhe veio à cabeça, mas logo a descartou, a mais velha sabia que a chefe precisaria de alguns dias para se curar, e que ela seria a primeira pessoa para quem ela ligaria quando se sentisse pronta para falar sobre o problema com Rafaella. A mineira foi sua segunda opção, mas também não acreditava que ela iria até a mansão sem ser convidada, não depois do confronto no Passista e das palavras ditas por Gizelly. A terceira opção foi a que ela deduziu ser a verdadeira: Mari. Desde que conheceu a baiana, sabia de sua preocupação genuína com as outras pessoas, e sinceramente deveria ter adivinhado que ela não conseguiria se segurar e viria vê-la após alguns dias só para certificar-se de que estava tudo bem. Com isso em mente, levantou-se de sua cama pela primeira vez em sabe-se lá quantas horas e foi até a porta de entrada.

Sua rápida teoria foi comprovada assim que a figura à sua espera foi revelada, ali estava Mariana Andrade. Mas algo estava diferente, pois ao contrário do que ela imaginava, a sous chefe não estava acompanhada de sacolas de besteiras e sua marmita diária, não, ela estava triste. Percebeu isso pelas olheiras abaixo de seus olhos, que já não brilhavam animados como sempre faziam, e também pelo tom avermelhado do nariz, indicando que ela havia chorado recentemente.

- Eu posso ficar aqui hoje? -  A voz da cunhada estava mais rouca que o normal, e ela claramente tentava conter os soluços que se formavam em seu peito. O que havia acontecido com ela? A resposta de Gizelly veio ao abrir mais a porta, para que a maior pudesse entrar na casa, e foi assim que ela descobriu a gigantesca mala que acompanhava a baiana. O que quer que tenha feito Mariana bater na sua porta, não havia sido algo repentino e sim algo que se acumulou com o tempo, pois ela havia arrumado suas coisas antes de deixar a casa que dividia com Bianca, de onde a chefe presumia que ela havia saído.

No Words - GirafaOnde histórias criam vida. Descubra agora