Cap.1 - Eu sei como você se sente -

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- Eu sei como você se sente.

Foi o que ele disse a Kurt, após quase uma hora de conversa com o completo estranho. Seu nome era Leônidas E.V. Malachin, um aluno veterano da faculdade em que Kurt acabara de começar. Mal sabia porque tinha puxado assunto com aquele homem e, ainda por cima, contado como se sentia depois de todos esses anos enclausurado no silencio emocional em que vivia.

Já passava da meia noite quando Leônidas disse a frase que mudaria a vida de Kurt, logo no primeiro dia de sua nova vida, logo no primeiro momento em que ele realmente se sentiu livre.

"Eu sei como você se sente."

Kurt nunca ouvira isso de ninguém, ainda mais, de um homem. Ainda mais de um total estranho.

- Isso é porque você tem coração. - Leônidas esticou o dedo indicador até próximo do peito de Kurt e sorriu. - Isso acontece, ainda que menos do que possa imaginar.

- Isso? - Kurt questionou. - Isso o quê?

- Ter coração.

Estavam em um bar que ficava a cinco minutos de carro da faculdade em que estudavam. O nome do bar era singular, Amanhecer, e tinha esse nome porque abria depois as dez da noite e fechava apenas as seis da manhã. Sentados ao relento em uma mesa de madeira escura, dividiam uma cerveja e uma porção de frango a passarinho. No som do bar um MPB tocava tranquilamente, as mesas em grande parte composta de alunos que acabaram de sair das aulas e que buscavam uma forma de relaxar e esquecer tudo que aprenderam.

Kurt, após ouvir a frase que iria transformar não só ele, mas todos ao seu redor, ficou atônito. Agora, Leônidas lhe dizia que ele tinha coração e ele mal sabia o que isso poderia significar, mas estava abobado, admirado em alguém finalmente entender o que poderia se passar pela sua cabeça. Pelo seu coração.

- Sabe, é engraçado quando você para e vê as pessoas ao seu redor. Sério, faça isso. - Leônidas pegou um pedaço, comeu e lambeu os dedos. - A maioria daqui está falando sobre o quê? Aula? Futebol? Musica? Revolução? Politica? Dá uma olhada.

E assim Kurt o fez, sem saber exatamente o que olhar. A única coisa que reparou foi quão alheio todos eram de todos os outros. Ele poderia até dizer que sentia a distância entre um e outro, entre sorrisos inebriados e brincadeiras de mal gosto que eram acatadas pelo simples motivo de fazerem parte do convívio social. Viu um rapaz jogar uma azeitona no copo de cerveja do outro, que em um sorriso raivoso, atirou a cerveja no chão e reencheu o copo. Viu um rapaz puxar o sutiã de uma garota e estalá-lo em suas costas, levou um tapa e ficou rindo, apontando com o polegar enquanto se afastava, indo para a mesa em que estava seus amigos.

- Quem aqui está falando sobre as coisas que você falou para mim? Kurt... - Ele se ajeitou na cadeira, apoiando os cotovelos sobre a mesa e se aproximando do outro rapaz, continuando a falar em voz baixa. - Você entende que você me falou aqui sobre sua mãe, sobre seu pai, sobre como seu irmão mais novo é chato e sobre sua primeira namorada, Gina, que sempre te broxava na hora H? Ou quando a empregada te pegou se masturbando para uma foto dela quando você tinha quatorze anos? Para quem mais você contaria isso? E você me conhece a quanto tempo? Uma hora?

Kurt respirou fundo e se recostou na cadeira, cruzando os braços. Não sabia dizer o porquê, sabia apenas que, quando estava sozinho em uma mesa e o rapaz em outra, decidiu puxar assunto com ele. Era algo em seu olhar, era algo em como ele encarava as outras pessoas, era algo em seu sorriso vitorioso, porém humilde. Kurt coçou a barba a fazer e se indagou, porque?

- Eu vou lhe dizer porquê. - Leônidas levantou e tirou uma carteira de couro preta, tirou uma nota de cinquenta e jogou sobre a mesa. - Porque você tem coração. E, de novo, coração é uma coisa que poucos tem por aqui, ou até mesmo, pelo mundo. Minha parte das porções e da cerveja, fique com o troco.

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