Cap. 3 - Cavalo, Bispo, Torre -

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Esmagou o acelerador, Blue Palace ficava a mais dez quadras de distância, praticamente em outro distrito, mais caro, mais central. O Mercedes reclamava a cada reduzida que Kurt fazia com brutalidade, enfiava-se atrás de carros mais lentos, esperava que a pista liberasse a passagem e fazia ultrapassagens raivosas e tensas, se aproximando mais do que deveria dos outros carros.

Sorte sua que era tarde da noite, o movimento da cidade estava baixo, lento e com pouca densidade. Enquanto deslizava pela cidade, imaginava o que poderia espera-lo no Blue Palace e, acima de tudo, porque aceitou de forma tão rápida aquilo tudo, sem nem mesmo pestanejar. O carro estava em seu nome, com certeza, mas ainda assim havia muito a ser explicado na história, detalhes que seriam de toda a importância. Ontem ele se preocupava em como seria o trote que fariam com os calouros, e ainda assim, essa memória parecia distante, pertencente a uma realidade que a muito já aconteceu.

Sete minutos e a Mercedes para no estacionamento do Blue Palace, os faróis acessos, o barulho do motor como o rosnado cauteloso de uma besta caçando e encarando sua presa. Kurt olhava ao redor, o estacionamento silencioso, o hotel se prolongando as alturas, azul escuro e com uma placa de neon no estilo americano, Blue em azul, Hotel em vermelho. Olhou a si mesmo, vestido com um short e uma camisa branca regata, tinha a aparência de quem realmente saltou da cama e foi levar a mulher para dar à luz, salvar o mundo... Ou quem sabe, destruí-lo.

Não, me vestiria melhor para isso, pensa e ri, brincando consigo mesmo, até ser silenciado pela porta do passageiro e do sedan abrir com violência e duas pessoas entrarem. Ouve uma voz feminina grossa gritando um “acelera”, e é isso que ele faz.

...

A que entrou no banco do passageiro era negra, alta e usava o cabelo crespo preso em um rabo de cavalo com várias ligas finas e vermelhas que ia até metade das costas. Usava uma roupa de garçonete preto e branco, com uma gravata borboleta preta e um detalhe em vermelho no ombro direito. Não conseguiu ver mais que isso. A que entrou no banco de trás parecia ter sua idade, tinha cabelos pintados de roxo, desgrenhados em um amontado de fios caóticos. Era tão branca que imaginou se ela iria brilhar, com fluorescência. E aquele sorriso... Aquele sorriso afetado, débil, de alguém que acabou de fazer uma travessura, mas se deliciou com cada segundo.

Depois de se perder na confusão roxa que era seu cabelo, notou que a garota usava um macacão vermelho vinho, e nada mais.

Engoliu seco e saiu do estacionamento, girando o carro com destreza. A mulher negra sorriu e o encarou, a luz amarela dos postes as vezes iluminavam seu sorriso, as vezes escondiam seu olhar centrado e focado. Eles também brilhavam, mas era diferente.

- Para onde?

A mulher esticou os dedos finos e apontou para frente.

- Dirija por um tempo aqui em linha reta. Avise-me se vê-los.

- Vê-los? Quem? – Os faróis, pensou Kurt. – Estamos fugindo, não é?

- Nããããããão. – A garota reclamou do banco de trás e esticou o pescoço, ficando entre Kurt e a mulher negra. Seu cabelo tinha um cheiro doce de ameixa. – Estamos indo para a Disneylândia, conhecer o pato Donald e seus sobrinhos. –Imitou com a voz do personagem. – Isso não é nada demais! – Kurt deixou escapar um riso e a garota voltou a voz normal, naturalmente fina. – Vamos lá atrás da Dumbela Pato e reivindicar que ela reconheça o Huguinho, Zezinho e Luizinho com seus filhos e...

- Quieta pazzo.

Pazzo? Já ouvira esse nome antes, seu avô as vezes o rosnava quando Kurt fazia alguma brincadeira boba ou de mal gosto, ou simplesmente quando corria pela casa, “Ragazzo pazzesco que não para quieto!” É o que diria. Pazzo seria um adjetivo, com certeza.

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