O píer estava vazio, com apenas algumas poucas pessoas, pequenos grupos de jovens ao redor de fogueiras ou de carros, fumando, bebendo e alguns tocando violão. O mar, calmo como um tigre dormindo, lançava suas curtas ondas sobre a areia, como uma respiração tranquila e convidativa a calmaria. A lua crescente no céu era um sorriso animado e iluminado que coroava o cenário.
Era realmente inspirador. Mas não para Kurt.
Estavam sentados no final da ponte de madeira, que balançava sem muito animo graças as ondas que a acariciavam. Kurt estava pálido, tremia de frio e nervosismo, os braços abraçados no joelho e os olhos travados no horizonte marítimo que, naquela noite em especial, parecia um precipício negro e sem fim, um destino para o qual estava rumando. Acqua estava sentada ao seu lado com as pernas esticadas e o corpo apoiado nos braços, os pés balançando sem sintonia e sem pressa, brincalhões enquanto ela tentava mirar com um olho só o vão entre os dois.
Havia silencio, mas também havia o longínquo murmúrio de violões e as vezes, alguma risada mais alta que rasgava o sedoso silencio como uma garota irritante. Ele não sabia o que falar, Acqua não dava a mínima sobre o que falar.
As imagens iam e voltavam, saltos, estrondos, vidro quebrando, gritos... Muitos gritos. Lembrava do rosto deformado de dor do rapaz que atropelou, a boca tão escancarada em surpresa e sofrimento que parecia que o queixo alcançava o peito, depois a imagem da moça no chão, a poça ao seu redor fluindo, aumentando, o piso de madeira absorvendo o liquido da vida que foi sacrificado ali a um deus antigo e sanguinolento. E o Torre. Sua cabeça se transformando em uma nuvem rosada. A vida em um segundo, em um milésimo você existe, no outro você é um cadáver. E quando chegaria a sua hora?
Quando chegaria a hora de Kurt? Quando seria a vez de Acqua? Quando os cabelos roxos escapariam da sua cabeça em uma explosão rosa?
- E agora o quê?
- Unh? – Acqua virou a atenção para Kurt, em um sorriso infantil. – O que disse?
- E agora o quê?
- Bom... – Ela alisou o queixo pensativa, o sorriso mantinha-se firme, os cabelos roxos estavam agora presos de forma comportada em um rabo de cavalo assimétrico. – Agora eles tem uma peça a menos no tabuleiro, e nós, uma a mais, você. Você é bem sólido, se deu muito bem para um novato. Megami...
Kurt deu um salto, caminhou de quatro por alguns metros até alcançar o final do píer e vomitou o pouco que havia comido no intervalo da aula. A pressão na sua cabeça o fez ver estrelas e brilhos sobre a agua do mar, achou que ia desmaiar por um momento, achou que iria cair na agua salgada e suja com seu próprio vomito, mas segurou com força a madeira em que sua mão se apoiava e ficou ali, tomando folego.
- Eeeeeentão. Como eu ia dizendo – Acqua deu um risinho que irritou Kurt profundamente, imaginou as suas mãos em volta do seu pescoço, apertando até seus olhos rolarem nas órbitas e a garota dos cabelos roxos perder a consciência. – Megami fez certo em escolher você como Bispo. É um excelente Bispo, gostei da forma como escapou.
Kurt ficou em silencio, respirando profundamente, tomando folego, recuperando a realidade a sua volta.
- Você entende que em um jogo de xadrez, há dois times certos? O Branco e o Preto? Você já parou para se perguntar pelo que batalhavam? Se era por território, se era por poder ou se era simplesmente por... Racismo? Afinal, o rei preto pisa no quadrado branco e vice e versa.
- Acqua, cala a boca. – Kurt permanecia de quatro, tonto com a pressão que o vomito lhe causara. – Cala essa boca lunática por um segundo só. Espera eu entender do que você fala, aí você continua.
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Súdito
Mystère / ThrillerOs contadores de histórias não se importam em registrar e contar histórias de pessoas comuns, de camponeses, mas sim de heróis, reis e deuses. Kurt não sabe que pode se tornar um Rei, mas Leônidas sabe, e colocará a prova a realeza de Kurt. Contudo...