Capítulo 27.2

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"Nefelibata (adj.)

pessoa que anda ou vive nas nuvens"

Camila

A vó Dulce sempre foi aquela típica idosa que só mostrava a idade por conta das rugas em sua pele, pois sua alma era jovial e ávida pela vida.

Vovó era aquela pessoa que a palavra que mais a definia era gentileza.

Não havia um indivíduo que seja que não saiu com um sorriso no rosto após conhecê-la.

Desde o dia que recebi a notícia, sinto que estou vivendo em câmera lenta.

A última vez que conversei realmente com ela foi quando enviei meu livro para sua casa. Minha avó me ligou, radiante e chorosa.

- Querida, eu poderia dizer que estou surpresa por tanto sucesso, mas não estou. Eu sempre soube o quão incrível você era e nunca duvidei que o mundo seria pequeno demais para você. Estou tão orgulhosa. - ela soluçava ao pronunciar cada palavra.

E agora, caminhando até onde está o caixão dela com minha mãe abatida e meu pai apoiando-a, não consigo acreditar que nunca mais irei ouvir sua doce voz.

Lembro que quando meu avô, marido de dona Dulce, faleceu, eu era tão jovem que não me recordo, contudo, eu adorava ouvi-la falar sobre ele.

- Seu bisavô queria que eu casasse com um engomadinho da cidade, mas para terror de meu pai, quem conquistou meu coração foi o sapateiro. Eu levava os sapatos do meu pai para arrumar e ficava conversando com ele. Até que um dia, saimos para tomar um sorvete e meu pai nos viu juntos. Ah, minha querida, achei que eu e Túlio não iríamos sair vivos. Por isso, quando meu pai me proibiu de vê-lo, eu fugi.

- Uau, vovó! - exclamei, empolgada.

- Sim, meu amor. Eu e Túlio fugimos para ficarmos juntos.

Sorri imaginando aquela cena e naquele dia, lembro de ter criado uma história parecida para brincar com minhas Barbies. A história de meus avós foi minha primeira inspiração para criar histórias, mesmo sem serem escritas.

A morte é algo muito misterioso. Eu nunca perdi alguém tão próximo e não sei como lidar com tamanha saudade que já sinto. O mundo sem dona Dulce já tem um brilho menos intenso.

Vou até um canto vazio para limpar minhas lágrimas que escorrem pelo meu rosto quando sinto meu celular vibrando.

Joana está me ligando.

Ela soube do que aconteceu, contudo não conseguiu sair da faculdade para vir ao velório e enterro. Jo considerava minha avó como de fosse parte de sua família. Imaginava o quanto ela estava chorando por não poder vir.

- Alô? - minha voz soa embargada.

- Mila? Eu sinto tanto tanto tanto por não estar aí com você. - ela soluça, claramente aos prantos. - Como está Ceci?

- Minha mãe está bem abalada. A gente sabe que os pais não são eternos, mas nunca estamos preparados para perde-los e... - começo a chorar novamente - Vou sentir tanta falta dela, Jô.

- Eu também. - diz, fungando - Só que pensa que sempre vamos lembrar dela sorrindo e feliz. Lembra quando um menino me chamou pra sair e me deu um bolo? Sua avó me levou para a sorveteria dizendo que ninguém precisa de um menino, muito menos se tivermos sorvete.

Rio em meio as lágrimas. Minha avó era a maior feminista da família mesmo sem se intitular como tal. Se tem uma coisa que Dona Dulce nos ensinou foi nunca abaixar a cabeça para ninguém.

- Ela foi uma mulher extraordinária mesmo. - afirmo com o coração carregado de amor.

Depois de um tempo, desligo o telefone com a promessa de que ligarei para minha amiga antes de dormir.

Quando estou prestes a ir onde está minha mãe, sinto alguém tocar meu ombro. Eu me viro e dou de cara com um par de olhos cinzas.

- Julian? - arfo de surpresa.

Ele apenas abre os braços para que me abraçar. Eu retribuo, o segurando forte enquanto choro em seu peito. O moreno apenas acaricia minhas costas, murmurando palavras gentis.

- Eu... - tento dizer, mas as palavras não saem.

- Shhhhh, não precisa dizer nada. A dor precisa ser sentida, Mila. Não tente reprimi-la.

Eu o olho e noto como nossos rostos estão próximos. Seus olhos me encaram tão intensamente que me sinto zonza. Eu nunca havia ficado tão junto dele e não fazia ideia do magnetismo que seus lábios bem desenhados possuem.

- Mila. - ouço meu pai me chamar e me afasto rapidamente de Julian. - Está na hora.

***

Minha avó nunca foi de falar muito sobre a morte, mas houve um pedido em específico que ela fez a minha mãe em certo momento que era que seu velório não duraria horas. Dona Dulce dizia que não queria que as pessoas ficassem muito tempo a olhando ali sem vida no caixão, ela queria ser lembrada por sua vivacidade. Por isso, seu velório teve no máximo uma hora de duração.

Agora que estamos em volta de sua cova aberta, a dura realidade de torna ainda mais amarga. Minha mãe toca meu ombro e me olha com os olhos cheios de lágrimas.

Chegou a hora.

Dou um passo a frente e pego um papel em meu bolso. Tomo um fôlego e começo a falar:

- Mesmo sendo escritora e tendo as palavras como minha melhor amiga, nunca foi fácil achar adjetivos para definir minha avó. Maravilhosa, fantástica me parecem muito pouco para expressar sua grandiosidade. Dona Dulce era extraordinária demais para esse mundo. Sua garra, sua força era inspiradora. Nós não sabemos qual foi a musa inspiradora de Camões, mas eu posso afirmar com plena certeza que minha avó é e sempre será a minha inspiração. Nós iremos honrar sua vida e te celebrar da mesma forma que você fez por toda sua vida. Obrigada por ter sido você.

Termino a minha fala e temos um momento de salva de palmas como homenagem. Minha mãe vai até o caixão e toca uma última vez.

- Um dia a gente se encontra, mãe.

Caminho até onde o caixão que já está abaixando e a última coisa que consigo fazer antes de ver a terra cobrir a madeira é jogar uma rosa.

Olá, amores

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Olá, amores.

Esse foi um capítulo mais tristonho, mas importante para o andamento da história.

Me contem o que acharam, por favor.

Nos vemos na próxima ❤️

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