Sob minha pele

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Um delírio fantástico.

Apenas isso que se passava pela cabeça de McCartney enquanto o elevador descia com sua suavidade característica. Os números no topo das portas decresciam lentos, dando-lhe a noção de quanto tempo levaria para chegar até o andar indicado.

Jogou os braços para trás e abraçou as mãos. Permaneceu em desconfiado silêncio e tentou buscar ali alguma pergunta que o ajudasse na recente confusão; todavia, teve o raciocínio interrompido quando ouviu seu mestre assobiar uma belíssima melodia em seguida cantando algumas poucas palavras de uma conhecida música. Afinado...

-Canta muito bem, mestre. –O olhou de relance.

-Obrigado, senhor McCartney... Gosta das músicas de Dioritav?

-As que eu tive a chance de escutar, sim. Uma tremenda artista, senhor

-Muito bom saber que aprecia a sonoridade de Dioritav. Espero então que esteja animado para a festa. –Deu-lhe uma tapinha no ombro teso. –Porque ela vai cantar aqui hoje.

O aprendiz foi tomado de moderada surpresa com a notícia. Uma das grandes artistas de Zerbiek iria se apresentar bem ali na NYCZ. Imediatamente foi transportado para os dias difíceis nas ruas da capital, recordando dos infinitos percursos que fazia atrás do luxo no lixo. Enquanto caçava TQU –uma preciosa folha metálica usada para concertos de vários dispositivos– e comida pelos mais movimentados lugares, conseguia ouvir pelos restaurantes uma voz quente e arrepiante, ressoando sobre todas as almas terrenas, abraçando-as como um aconchegante cobertor.

Era Dioritav, a mulher do sorriso de sol.

Seu rosto aparecia por todos os outdoors do centro da capital dando-lhe um toque de beleza àquela selva de lixo e concreto, banhando de cores os desinteressantes prédios e as faces carrancudas dos transeuntes. Acreditava que ela era a única pessoa verdadeiramente feliz dentro daquele poço de insensibilidade e amargura. Talvez por isso tenha chegado tão longe...

-Ótima escolha, senhor.

-Mais uma de tantas... –Vangloriou-se divertido, encarando os olhos e a boca do aprendiz.

O sinal e o anúncio. As portas do elevador estavam prestes a se abrirem mais uma vez e McCartney ainda não estava preparado para encarar o que certamente viria com a iminente revelação, confirmando ou não o seu sonho. Até ali tudo havia corrido de maneira diferente, mas sua intuição indicava que algo estava para acontecer.

Engoliu seco e apertou ainda mais as próprias mãos. Nem ao menos notou que Lennon o seguia observando. Aquele resultado mudaria tudo.

E lá estava a festa...

De Gala?

Internamente desnorteado o aprendiz viu de dentro do ascensor um ambiente impecavelmente luxuoso. Mesas espalhadas por todo aquele imenso espaço acomodavam muitas pessoas vestidas à caráter, revestidas no brilho de muitas joias ao invés de tintas e maquiagens. Tudo de uma elegância sem fim.

Gigantescos lustres enfeitavam o teto do referente andar que muito se assemelhava ao Teatro de Homm com toda sua magnificência. Uma pequena orquestra tocava sua doce sinfonia do lado oposto do pavimento, acompanhada do tilintar de taças de cristal e risadas airosas.

Saíram do elevador e foram recebidos sob fortes aplausos. Lennon sorriu largo aos acenos enquanto McCartney evitou esboçar qualquer reação.

-Por aqui, senhor McCartney. Acompanhe-me. –O aprendiz obedeceu à ordem e seguiu o seu mestre por dentre as mesas. De longe já avistava os cabelos quase brancos de Bianca Mivys brilhando de maneira singular, servindo como indicador de até onde deveriam ir.

FIXAÇÃO - MclennonOnde histórias criam vida. Descubra agora