Implacável

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Ele se transfigurou em minha obsessão, minha cega devoção.

Ao fim daquele ciclo infernal e tendo alcançado nosso particular paraíso, todos os meus passos para a concretização do novo mundo foram se tornando mais largos. O tempo parecia ter desacelerado e eu parecia ter esquecido das minhas promessas, consequentemente, também do meu passado.

Todos os meus sentidos e vontades estavam voltados para um presente viciante, esquecendo completamente do futuro promissor que um dia esperei que se revelasse em meio aos planos que já estavam traçados.

O que sentíamos era segredo, já o que fazíamos era inacreditável para quaisquer olhos que pousassem sobre nós.

♦♦♦

Diante daquela inegável verdade, o mestre e o aprendiz pareciam ter estreado outro patamar dentro da NYCZ. Se a excentricidade de Lennon ficava resumida às quatro paredes de seu quarto, estando junto a McCartney aquilo se expandia para todo o prédio. Cada canto dele, sem temer nada e nem ninguém.

Os olhos de ambos se seguiam, eram magnéticos. Dois animais perigosos desenjaulados -a pantera e a serpente em um habitat já conhecido, mas não explorado- prontos para absurdos ainda mais inimagináveis, principalmente com o novo e especial ingrediente adicionado à mistura de seus desatinos.

Os animais fizeram as pazes e iriam viver em harmonia. Sua caótica harmonia. Um de seus grandes episódios teve começo em um agitado dia de reunião.

Lennon tentava encerrar uma conferência com seus investidores. A sala cheia de pessoas e pensamentos dissonantes o irritavam profundamente; a discussão pairava sobre pequenas mudanças no estatuto da empresa no que tangia os acionistas, mais precisamente suas participações nos lucros. A NYCZ havia lucrado bastante no último ano, e todo mundo queria uma fatia daquele cobiçado bolo.

O presidente assistia às reclamações com um semblante austero, por vezes entediado, esperando que as gralhas reclamonas pudessem cessar suas grasnadas. Obviamente ele tomava riscos ainda maiores devido à futura intentona, então não iria abrir mão de sua fortuna significativa. Ele estava irredutível, mas seus investidores também. Pensou em marcar uma próxima reunião para poder pensar até lá em alguma resolução plausível, mas foi bem neste instante que a solução apareceu gloriosa à sua frente.

McCartney adentrou à sua sala como um mágico em um truque fantástico. As portas pareceram abrir sozinhas enquanto ele cravava o olhar letal no seu. Vestia um terno preto, quase completo, com a diferença de que não vestia camisa alguma por dentro. Os pés estavam descalços e na mão esquerda sustentava uma katana mirada pra baixo.

Um enorme silêncio se fez na grande sala. Todos olharam atentos e curiosos para o ser que parecia ser um louco justiceiro. Lennon seguia imperturbável.

Lá estava seu vice-presidente, e também delirante amante.

O aprendiz deu dois passos à frente e ficou rente à extensa mesa, não olhou para mais ninguém, e dentro dele só existia apenas uma pessoa mesmo ali. Em um salto se fez em pé em cima dela, bem na borda. Um equilíbrio invejável enquanto segurava inalteradamente à katana em sua mão.

Por toda a superfície da mesa se encontravam muitas taças em meio a papeis, cadernos e pastas. McCartney passou a caminhar devagar por dentre os objetos, um passo atrás do outro, como um gato em cima de um muro estreito. Seus olhos multicoloridos estavam fixados na figura que estava sentada, bem acomodada em sua poltrona, na outra ponta da mesa. A lâmina da katana passava milimetricamente pelas bordas dos cristais, revelando sons curiosos enquanto ele se deslocava.

FIXAÇÃO - MclennonOnde histórias criam vida. Descubra agora