Insurgência 1 - Observação

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McCartney tomou um novo fôlego depois dos recentes eventos. Sentiu-se mais decidido sobre seu objetivo e estava ligeiramente confiante sobre o futuro resultado de tudo, mesmo não tendo noção alguma de como faria para alcançá-lo. O caminho tendia a ser obscuro demais quando envolvia a figura de seu mestre.

Levantou-se da cama a fim de estudar estratégias e traçar planos, mas toda sua linha de raciocínio foi interrompida por batidas suaves na porta. Arregalou os olhos pensando ser Bianca Mivys e engoliu seco antes de ir até lá.

Prestes a abrir sentiu um cheiro familiar. Mivys não tinha aquele cheiro. Na verdade ninguém da NYCZ possuiria tal aroma. Nota amadeirada. Fragrância musgo-de-carvalho. Comum no passado, raríssima no presente. A única herança familiar... Era impossível. Colocou até o próprio olfato em dúvida.

Abriu a porta rapidamente e pôde constatar a verdade com seus olhos quase esbugalhados.

-Helena?!

-Meu Deus! Paul! –Gritou a moça de olhos pequenos e repuxados. –Eu não acredito! É você mesmo? –Seu largo sorriso explicitava uma felicidade única. –Quanto tempo, carinha! –Correu a abraçá-lo com as tantas maletas metálicas que carregava.

Antes de perambular sozinho pelo centro da megalópole, McCartney conheceu Helena Aszork em um dos percursos que ela tomava para chegar mais rápido aos conglomerados em ruínas que ficavam nos limites da cidade. Ambos tinham dezenove anos. Trocaram algumas reclamações que tinham sobre as prioridades do prefeito, e entre piadas e resmungos se viram ajudando um ao outro naquela caminhada diária que não levava a lugar nenhum.

Transportavam pra cima e pra baixo diversos sacos de lixo com materiais devidamente separados que eram recolhidos do grande centro da Linha Quatro. Ganhavam algumas poucas e valiosas moedas que muito serviam para seus sustentos nas noites mais frias da capital. Negócio este que se seguiu por pouco tempo: o ferro-velho mais próximo fora interditado e fechado devido a grande radiação advinda de antigas baterias automobilísticas. Não havia mais trocas, não havia mais comida.

Tornaram-se pedintes, vivendo um dia após o outro; conversando sobre a lua, o sol e as estrelas que viram raríssimas vezes quando as nuvens densas da poluição permitiam. Os choros eram intercalados com sorrisos musicais, que entoavam uma canção de ninar tão antiga quanto a última revolução. Dessa forma, sob grande dificuldade, conseguiam dar conta do essencial.

Até o dia que ela resolveu ir embora.

Não deu explicações e muito menos houve despedida. Ela simplesmente se foi, deixando pela metade do caminho uma amizade que se construía forte –ou pelo menos assim ele chegou a pensar. Cogitou que ela houvesse partido em busca de algo mais; arriscar mais uma vez para ver se conseguiria alcançar a vida da qual tanto sonhava em ter. A vida dos grandes.

-O que faz aqui, Helena? –Indagou abismado.

-Bom te ver também, Paul. –Apartou-se dele com a fim de mostrar sua insatisfação ao ter sua animação ignorada. –E eu estou aqui a trabalho, meu jovem. Não vai me convidar pra entrar?

-Onde você estava esse tempo todo?!

-Posso? –Olhou para dentro do quarto.

-Por Deus, Helena!... –Ajudou a moça com as maletas dando passagem para que entrasse. –E que trabalho é esse que você veio fazer aqui? –Fechou a porta com o pé.

-Firmei um acordo com o cabeça daqui; bem, pelo menos ele me disse que era o cabeça, não sei se é verdade. –Ele jogou as tantas maletas na cama. –Queria que eu desse um trato num rapazinho recém-chegado. E comigo não tem tempo ruim! Peguei então as verdinhas e corri pra cá. Só não fazia a menor ideia de que seria você!

FIXAÇÃO - MclennonOnde histórias criam vida. Descubra agora