Roleta russa

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Onde estava, John?

McCartney perguntou assim que ele havia adentrado no quarto.

Lennon passou mais de dezesseis horas fora dali. Não deu sequer um sinal. Estranho para quem já era estranho. Havia saído com uma nítida confusão estampada na face. Mas onde estava durante todo aquele tempo?

Após sair do quarto –deixando o aprendiz sozinho– sentiu seus pés, sem motivo aparente, tropeçarem neles mesmos. Seus olhos estavam perdidos, agonizando a procura de algo. Tateou as luxuosas paredes por um tempo, e depois que avistou o corredor da frente –onde se situava o elevador– caminhou em certa confusão arrastando as solas dos pés no tapete que cruzava aquele andar de uma ponta a outra.

Embrenhou-se em mais uma dúzia de corredores que pareciam serem iguais em tudo, mas era o labirinto que ele mesmo havia criado, e conhecia bem –até aquele ponto.

Olhou para as portas e achou direção para o lugar que procurava chegar. Mais uns tantos passos desengonçados e parou em frente ao que parecia ser uma pequena sala. Pousou a mão em um moderníssimo leitor para que fizesse reconhecimento de todas as linhas e marcas de sua palma direita e esperou o acesso ser liberado.

Luz verde e um click. As respectivas portas marrons de madeira antiga abriram pesadas. Nenhum detalhe, apenas uma falsa maçaneta redonda de prata.

Ele adentrou naquilo que poderia ser descrito com uma sala de vidro temperado. Duas fortes lâmpadas incrustadas na cobertura clareavam tudo de cima. Seu reflexo em todas as paredes negras, incluindo o próprio teto. No chão, pó de carvão mineral –certamente mais antigo que a própria construção do Segundo Continente.

Bem à sua frente –a cinco passos– uma epígrafe com letras pequenas, a única inscrição em todo o quarto:

Stuart Sutcliffe ∞

Lennon caminhou devagar até o nome gravado no vidro. O pó de carvão lhe cobria os pés rapidamente a cada passo, como sombras de um passado distante. Ao chegar, seus olhos marejaram imediatamente; era algo comum a toda visita.

Encostou as mãos na superfície espelhada e observou toda aquela parede. Nenhum risco, nenhuma mancha. Depois, pousou calmamente sua testa lá e conversou um pouco... Em muito tempo.

-O que eu senti... –Começou baixinho. –Você pode me perdoar?... –Fez uma pausa demorada, sentindo uma culpa sem sentido. –E-Eu não sei o que aconteceu... –Sua voz embargou e ele parou. Prostrou-se ali, indo às lágrimas.

As mãos foram igualmente de encontro ao pó acinzentado, também sentindo de imediato as gotas que caíram de seus olhos se misturarem à substância pulverizada que preenchia todo o piso.

"Areia de uma praia morta."

Suas dores ainda eram as mesmas?

Lembranças trouxeram a resposta.

♦♦♦

Anos antes, na sala de diamantes...

-Eu gostei desse colchão no chão, Stu. A gente devia dormir aqui todas as noites.

-John, conhecendo você eu aposto que não aguentaria ficar aqui nem três dias.

Um capítulo remanescente, no âmago de suas lembras, ganhou destaque. Nus e abraçados entre lençóis dois amantes conversavam enquanto trocavam olhares apaixonados. Estavam lado a lado em um abraço confortável.

-Com você eu passaria a eternidade aqui, seu idiota. –Sorriu largo ao cutucar-lhe a barriga. Em um movimento rápido saiu de onde estava e se sentou sobre os quadris do companheiro.

FIXAÇÃO - MclennonOnde histórias criam vida. Descubra agora