18. PESADELO

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O maior inimigo de uma pessoa, sem dúvidas, é a sua própria mente. Ela - e somente ela - sabe exatamente o que juntar e criar para prender alguém em uma perfeita distorção da realidade e impedir que realize seus objetivos. Impedir de viver a vida. E a mente de Jacqueline não permitia descanso, especialmente quando ela tentava vencer a si mesma e clarear sua visão.

Foi uma ótima noite, não havia como negar ou esquecer. Ao se deitar na cama junto do akita, algumas coisas já pareciam fazer mais sentido e conseguiu até demonstrar empolgação com Mei sobre os projetos que poderia dar sequência depois que aceitasse o convite. Diria sim, enfrentaria seu medo e realizaria um sonho. Estava na hora, afinal. Merecia isso! E deitou-se com um sorriso no rosto por conquistar a confiança necessária.

Mas a mente humana é realmente poderosa...

Tinha tudo para ser um sono tranquilo, mas ao invés de bons sonhos, estivera presa uma possibilidade assombrosa e que não parecia mais perturbá-la. Nem sequer colocou em sua lista de prós e contras, porque simplesmente não era o principal foco da angústia. Esteve mais concentrada no medo de deixar sua história para trás e de falhar em um lugar novo do que no novo relacionamento. Essa parte era uma novidade imensa, mas conseguiu aceitar mais rapidamente após as palavras de confiança da amiga - e do próprio Henry em ocasiões anteriores. Mas e se não desse certo?! E se tudo isso fizesse com que se afastassem ainda mais do que já iriam?!

Seu sonho, ou melhor, pesadelo, fez tanto sentido que não conseguiu distinguir sua veracidade ao despertar. A distância absurda durante tanto tempo, a angústia de mal trocarem cumprimentos via texto... Uma noite de sono se tornou semanas, meses. Projetou toda uma história com Henry em sua cabeça como um filme, vendo-o cada vez menos interessado e mais Distante. Decepcionado. Irritado.

Começava com situações aparentemente comuns sobre conflito de horários, ainda que frustrantes, mas já esperadas. Em seguida, um distanciamento e indiferença crescentes por parte dele, como se preferisse evitar tocar no assunto da crise dos dois. Viajando o mundo sozinho por ser melhor assim do que estar mal acompanhado. Logo isso veio por parte dela, e já estava claro que era insuficiente para ele e para seu mundo, então não queria ser um incômodo, apenas fingiria não existir. Mensagens se acumularam, datas um dia importantes não foram celebradas... Tudo para não ser um fardo. E, por fim, encararam os fatos da pior forma: culpando um ao outro aos gritos, tocando em feridas pessoais e atingindo pontos sensíveis no outro sem pensar nas consequências. Ela acabaria sendo só uma garota qualquer que se iludiu e Henry seguiria tendo uma fila quilométrica de mulheres implorando de joelhos por sua atenção, dispostas a largar suas vidas para viver a dele. Estariam presentes nos seus momentos de alegria, de tristeza, de dúvida, de vitória... Seriam melhores. A questão é que qualquer uma seria melhor do que Jacqueline, e ele já não discordaria.

Despertou em um pulo, na verdade, e muito mais cedo do que o planejado: pouco depois das cinco horas da manhã. Exausta e completamente devastada. Não havia sido apenas um sonho ruim, mas uma previsão do seu futuro. Estava tão presa nessa visão que sequer percebeu o quanto se debateu ou o quanto chorou durante a noite, apenas constatou pela sensação de ardência no olhos inchados e as lágrimas ainda marcando por onde caíram no travesseiro que restou na cama.

Estava tudo espalhado, até o lençol pareceu ter tido um dos lados arrancados, como se tivesse os puxado em desespero. Podia ter sido mais uma crise de ansiedade, mas, se realmente aconteceu, nem mesmo Kal fora capaz de acordá-la com suas lambidas pelo rosto e braços - aliás, sentia a pele mais pegajosa nas áreas marcadas por ele, por isso sabia que havia tentado. Então não teve certeza a respeito da crise, mas alguma coisa muito profunda aconteceu ali.

Tentou voltar a dormir mas não conseguiu, virou de um lado e para o outro... Nada. As mesmas imagens, as mesmas vozes. Inspirava e expirava lentamente em busca de não descompensar outra vez, abraçou Kal e deixou que as lágrimas silenciosas limpassem sua alma. Algo tinha que ser feito, e talvez não estivesse no seu juízo perfeito para tomar alguma decisão, mas mesmo assim o faria.

Kal & ElaOnde histórias criam vida. Descubra agora