Kal & Ela

19. DOCÊ COINCIDÊNCIA

Discutir, brigar e se afastar de alguém querido nunca é fácil. Por mais que haja um motivo coerente, a decepção arde no peito. Não esperamos que o pior de quem gostamos ou nos apaixonamos aflore contra nós, ou, nesse caso, o mais delicado ponto. E nem por isso deixamos de amá-los da noite para o dia, porque existe uma história. Emoções são difíceis.

Apesar de ter praticamente batido a porta sem olhar para trás, Henry não estava orgulhoso do que fez. Estava irritado, sim, mas o sentimento maior era de falha. Não só achou ter falhado ao não fazê-la compreender o que sentia, mas também por ter deixado o calor da emoção o levar a agir como a imagens distorcida que ela criara. Não era aquele cara, mas se fez parecer.

Caminhara com Kal até o hotel, mas só quando chegar na porta do mesmo percebeu que teria um novo problema: o gerente. Respirou fundo olhando o cão ao seu lado, que entregava no olhar a percepção de que algo estava errado. Talvez ele soubesse que não veria mais a humana pela qual se afeiçoara, talvez não fizesse ideia e só estives curioso... Ainda não é possível saber como a mente canina funciona, mas claramente eles sentem nossa dor. E isso poderia indicar que ficaria inquieto outra vez, por isso o ator tomou o celular em mãos e, mesmo que o relógio não estivesse ao seu favor, tentou ligar para o lugar que anteriormente havia encontrado. Para sua sorte, conseguiu vaga. Só não tinha percebido que trouxera apenas ele a guia, e os demais pertences como vasilhas, pacote de ração, brinquedos e escova ficaram junto com seu coração partido...

Essa era uma questão para outro momento, outro dia. Compraria uma ração nova assim que o buscasse pela manhã, Kal sobreviveria com um pote de sorvete com água por uma noite. E com qualquer outra comida que a pessoa desse aos próprios cães.

~ ♡ ~

Um novo dia chegou junto do amanhecer, mas não necessariamente um novo estado de espírito. Henry acordou de uma noite mal dormida, devido aos próprios pensamentos culposos, e sabia que a sensação não o deixaria tão cedo. A chuva outra vez atrapalhara os planos de filmar ao ar livre, mas como o ator agradecia pelo mau tempo... Não estava com cabeça para nada naquele dia, nada além dela, e tinha certeza que ela também estava pensando em si - só não do jeito que gostaria de ser lembrado.

Após buscar Kal na casa que o acolhera, tendo deixado enfatizado o quanto se sentia grato por aquela noite de disposição e cuidados para com o companheiro, decidiu espairecer pela cidade. Sempre gostou de lugares menores e aconchegantes, muito provavelmente por ter crescido em uma ilha pequena, e nem mesmo o clima nublado e úmido interferiam no charme daquelas ruas. Os restaurantes e lojas ainda estavam fechados, praticamente ninguém andava pelas ruas e nada se ouvia além das gotas caindo em contato com o chão. Logo um cheiro de terra molhada fazia Henry sorrir... Kal também gostava da chuva, um dos motivos pelos quais o ator fizera questão de sair e levá-lo para uma pequena volta.

Para sua surpresa, havia um estabelecimento aberto. Um exterior envidraçado que partilhava as mesmas paredes estruturais de uma livraria, como se fosse um sobrado comercial antigo, adornado de flores e uma vitrine muito convidativa que dispensava demais enfeites. Tratava-se de uma confeitaria. Bolos, doces e tortas divinos coloriam a fachada e destacavam-se na cor azul-esverdeada da parede exterior. Henry decidiu entrar no local para um café, contente pela placa que indicava permissão de pets nas mesas de fora, ainda que não organizadas pelo horário.

━ Bom dia!? ━ Perguntou ao passar o tronco pela porta, mantendo Kal do lado de fora por respeito, e notar uma pequena mulher do lado de costas organizando prateleiras no dentro do balcão.

━ Bom dia! ━ A atendente respondeu ainda ajeitando um último item, então tornou o corpo para a porta de entrada e saída, revelando não só seus traços asiáticos e delicados, como também encontrando o olhar de seu primeiro cliente. Seus olhos se arregalaram ao reconhecer o ator, assim como ficou boquiaberta e sem reação por poucos segundos. Henry apenas sorriu sem jeito enquanto esperava ela se recuperar do choque. ━ Meu Deus! É.. Você! ━ Ela comemorou, por fim, abrindo um sorriso largo e sentindo corpo todo vibrar por dentro. Saiu de trás do balcão para se aproximar, sem tocá-lo ou forçar um abraço, mas para vê-lo de perto e melhor. Não passou por sua cabeça vê-lo entrar pela sua porta, nem mesmo com a série sendo gravada nas proximidades. ━ Geralt! Quer dizer, Henry! Henry Cavill!