Saudade. Uma palavra exclusiva da língua portuguesa cuja existência Jacqueline sequer sabia. Um sentimento que despertava vários outros em sequência. Era isso o que sentia. Saudade de quando estava na faculdade desenvolvendo projetos e pesquisas. Saudade de quando estava bem. Saudade de seus pais. Saudade do sorriso de Henry para si.
Ah, sim. Henry... Sentia-se tão distante dele agora. Um aperto enorme invadia seu peito ao pensar qur cada vez estaria mais longe a partir dali, fosse emocionalmente, fosse fisicamente. Ele iria seguir sua vida, conhecer o mundo e várias outras pessoas mais interessantes que não têm medo de viver também, enquanto ela estaria ali. Pela primeira vez, a sensação foi de estar presa naquela cidadezinha. Por mais que gostasse do ritmo e das pessoas, era frustrante condenar a si mesma ali.
Não havia parado para pensar no quanto havia deixado para trás, e, principalmente, no quanto queria ser maior que aquele lugar. Queria usar de seu conhecimento. Queria ajudar mais. Fazer mais. Mas também queria não ter medo... Não sentir tanta saudade. Pensara tanto a respeito, mas tanto, ali abraçada com Kal no silêncio e vazio da clínica, que chegara em uma conclusão que sempre esteve presente em sua vida, mas nunca havia admitido para si mesma: sua história estava ali. Aquele "fim de mundo" era a única coisa que restou de sua família. Deixar aquele lugar, significaria deixá-lo para trás. E era sobre isso; esse era o porquê de não conseguir deixar aquele lugar.
Porém, quem estava se privando da liberdade era ela. Não poderia ter tudo, precisava encarar os fatos. Precisava, por mais doloroso que fosse, lembrar de que sua história com Henry acabaria logo, porque ele era livre. Uma questão de escolha, sim, ignorar ou não a carta, mas suas lembranças com o ator e o futuro do que quer que tinham desenvolvido estava. fora do seu alcance. Seria esquecido, assim como ela própria, no interior da Hungria.
Respirou muitíssimo fundo. Várias vezes sentiu o coração começar a descompassar e tentou lutar contra. Kal se manteve consigo. Pronto, ficou bem. Encarou a carta uma última vez, semicerranso os olhos e percebeu o que precisava fazer, porque por mais que o akita servissede grande ajuda e fosse muito bom ouvinte, ele não falava. Enviou uma foto do papel para Mei junto de um áudio de desabafo, não querendo tomar tantos minutos da amiga, mas sem omitir detalhes importantes de seus sentimentos. Levantou-se, então, quando enviou a mensagem, e tentou se recompor para seguir seu dia (nada corrido ou movimentado) de trabalho.
Foi um dia parado e muito longo, como se o tempo resolvesse parar de repente, até conferiu se os relógios estavam funcionando direito por garantia. E estavam. Apesar da monotonia, tinha certos picos de emoção ao ter que tomar distância de Kal e imaginar se esse pequeno tempo separados por uma porta bastaria para ele revirar a clínica de cabeça para baixo assim como o quarto do hotel. Entrava e saía do depósito e do internamento com uma caret em torcida, esperando um estrondo ou coosa do tipo do outro lado, mas sempre que voltava, lá estava ele sentado esperando na frente da porta com o rabo abanando. Isso a fazia rir, com certeza. Ele era muito bom e comportado, certamente havia tido um surto de saudade por Henry tê-lo deixado sozinho quando esteve... Com ela. Sentiu-se levemente culpada, mas não conteve um sorriso fraco pela lembrança.
━ Eu acho que não vai mais acontecer dele te deixar sozinho, garoto. Pelo menos não por minha causa! ━ Afagou o pescoço peludo do cão ao seu lado. Não queria que Kal ficasse sozinho, ele não merecia, mas como queria ser a culpada outra vez...
De repente, um zumbido distante. Zumbido não, um barulho vibratório. Era seu celular notificando silencioso (ou nem tanto) sobre o balcão amadeirado da recepção. Mei havia respondido.
"Meu. Deus. Do Céu. Jacqueline, antes de qualquer coisa, que coisa incrível! Meus parabéns, de verdade! Eu sei que sente medo e, honestamente, eu sempre soube ou imaginei que seria por medo de deixá-los aqui. E, meu amor, está tudo bem! Você não vai ignorar a existência deles se tomar coragem de sair, muito pelo contrário! Onde quer que eles estejam, certeza que estão orgulhosos de ti, e querem te ver crescer. Mais do que isso, estão com você aonde quer que vá, porque vivem em você. Entende o que digo?! Claro que eu particularmente sentiria sua falta, mas não prenda assim. Você mesma disse se sente que está se privando das coisas, que queri ser diferente... Seja! Eles podem ter ido antes de explicar as coisas, mas seguem contigo em pensamento e alma, vão te guiar. Você nunca estaria realmente sozinha no mundo. E sobre o Henry, convenhamos, não o julgo pela birrinha, teria feito o mesmo! Mas ao invés de ficar lamentando que ele vai embora, Jackie, aproveite cada segundo! Por Deus, se eu estivesse no seu lugar, estaria criando memórias maravilhosas ao invés de me prepcupar se vai tudo se perder no tempo ou não. Aproveite! Assim como ele é livre para ir, você é livre para se permitir ficar com ele enquanto puder! Não crie paranoias do tipo "vou me iludir" ou "isso só vai me machucar depois", porque vai doer muito mais se desistir disso também. Ligue para ele e tent explicar como se sente, e o quanto essa carta significa, até porque você disse que rolou uma conexão e que ele se abriu sobre a infância contigo, nada mais justo! Você consegue, eu confio e tenho orgulho de ti. Converse com ele e me conte tudo depois, ok?! E boa sorte com o cachorro doido."
━ Ah, Mei... ━ Suspirou alto com um sorriso no rosto. O coração estava mais leve e, por alguns segundos, conseguiu se imaginar aceitando o convite e relembrou os sorrisos nos rostos de sua família. A amiga sempre sabia o que dizer, isso era fato. Apesar de animada e de falar rápido, tinha uma voz estranhamente calma e reconfortante.
Não demorou para Jacqueline seguir o conselho recebido. Tornou a digitar no telefone, mas não ligaria, afinal, ele poderia estar no meio de uma cena e não veria a chamada, ou pior, poderia se distrair com a mesma. Deixou uma mensagem escrita breve - mas sincera -, sem esperar por resposta até o cair do noite.
"Hey, Henry... Eu queria pedir desculpa por hoje de manhã, por ter escondido uma coisa quando, na verdade, não precisava. Ou não devia. Amanhã estarei em casa de noite, depois das 19hrs, o que acha de ir lá e eu explicar tudo? Aliás, o Kal está ótimo e não deu um pingo de trabalho. Não precisa vir buscá-lo cedo, eu até agradeceria na verdade... Ele é uma companhia e tanto, você tem razão."
Quatro horas e quarenta e sete minutos depois... Mais uma notificação. Não foi vista de imediato por conta dos afazeres de Jacqueline, mais precisamente, de uma consulta repentina que surgiu naquela tarde. Um filhote de Cavalier King Charles Spaniel havia caído escada abaixo e a dona percebeu que começou a mancar choramingando depois disso, mas, para a sorte dele, não havia nada quebrado, era só uma lesão superficial do tombo. Kal queria fazer amizade com a pequena criaturinha branca com manchas em caramelo, mas era grande demais até para chegar perto da pequena senhora que a carregava e não seria nada bom assustar uma cliente preocupada com um akita curioso. Voltando para a mensagem em questão, eis a resposta:
"Talvez eu tenha exagerado na reação e deveria ter respeitado seu espaço, também não foi muito educado da minha parte. Fico feliz que ele esteja se comportando, estava mesmo preocupado, isso é um alívio. Vejo vocês dois amanhã às 19."
Não foi a mais afetuosa das mensagens, mas sorriu enquanto lia (e relia, e relia...). Ao menos Henry não pareceu magoado ainda e até se desculpou. Isso era bom. Talvez pudesse mesmo seguir o que Mei disse e se dar a liberdade de tentar aproveitar os momentos com ele.
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Kal & Ela
FanficDurante as gravações da 2° temporada de The Witcher, Henry Cavill decide levar seu amado cão para lhe fazer companhia no set, porém, não contava que seu melhor amigo iria se acidentar ao passar perto dos cavalos. Kal tem uma de suas patas pisoteadas...