⚠️ : AVISO! ESSE CAPÍTULO CONTÉM PEQUENA DESCRIÇÃO DE UMA CRISE DE ANSIEDADE. CASO PREFIRA PULAR, OS PARÁGRAFOS ESTARÃO INDICADOS (*) NO INÍCIO.
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O olhar firme de Henry só combinava com a ficção - preferencialmente com uma peruca branca. Ao vivo, era difícil ver o quão decepcionado havia ficado, sabendo que carregava um sorriso sempre tão gentil e bobo. Pior ainda saber que só havia uma pessoa a quem culpar: ela mesma. E esse era justamente motivo de não se abrir, de permitir que apenas duas pessoas soubessem o que realmente se passava em sua mente...
Medo. Julgamentos. Mágoas.
Sabia que suas questões eram normalmente mal interpretadas pelas pessoas sem mesmo expor, mas era suas e eram reais. Ironicamente, era mais fácil ver o homem pelo qual estava se apaixonando - só para não dizer que já estava por completo - sair pela porta do que falar a respeito. E que grande ironia... Viu-se parada encarando a porta por tanto tempo que perdeu-se em seus pensamentos e, por mais tóxicos de fossem, serviram para lhe lembrar de uma verdade que parecia ter sido ofuscada pela emoção: tempo.
Restavam poucas semanas junto de Henry e não tinha se dado conta até então. Respirou fundo ao se lembrar que as filmagens de The Witcher na Hungria logo chegariam ao fim, com o sentimento de saudade lhe tomando o peito. Não o veria mais. O que quer que tivessem começado a criar não passaria de uma lembrança, e Jacqueline obviamente se questionava se para ele havia sido o suficiente para tanto. Mas era, ela só não acreditava. Então assim acabariam? Henry decepcionado e ela arrependida de não ter se aberto pelo menos um pouco mais? Essa possibilidade doeu. Seria mais um fantasma a lhe assombrar por falta de coragem, e já tinha o suficiente para se sentir incompleta.
Despertou de seu devaneio esclarecedor com repetidas piscadas, tornando a acariciar Kal e chamá-lo para lhe acompanhar. Junto dele, seguiu para o depósito, pegou duas tigelas - uma para água e outra para ração -, alguns brinquedos e deixou disponível ao lado da sua cadeira na recepção. Sentou-se nela e pegou novamente a carta. Encararia aquele drama - mais uma vez.
Ao percorrer os olhos pelas palavras novamente, sentia a mistura de desejo e medo lhe invadir o interior. Não era um convite qualquer, ou como o da última vez que lhe convidaram para participar que uma semana de cursos e palestras na universidade. Tratava-se da maior oportunidade da sua vida: seguir seus estudos. E de forma praticamente gratuita. Qualquer um teria pulado de alegria e aceitado me imediato, mas a lágrima que escorreu pelo rosto da espanhola não tinha tal conotação.
Insegurança. Decepção. Medo.
Jacqueline havia fundado, junto de seus professores e orientadores, um departamento especializado em oncologia. A iniciativa partira totalmente dela, bem como a idealização dos projetos e estudo de casos. Havia sido um motivo de grande destaque para a Universidade de Medicina Veterinária da Hungria, e para ela própria dentro do mercado de trabalho. Seu diploma na parede, os certificados e demais honrarias eram frutos dessa dedicação e conhecimento. Receber a proposta de realmente estudar e se especializar na área era um sonho, sim. As portas de seu futuro se abrindo bem ali diante de seus olhos... E fechando-se com um estrondo por conta de sua mente. Teria de sair dali para isso. O departamento ainda não contava como uma pós-graduação, apenas um direcionamento acadêmico e atendimento direto, e a proposta recebida envolvia uma parceria com uma rede de universidades já estruturadas por toda a europa. Poderia escolher, sim, mas teria de deixar sua estabilidade. Sua segurança e garantia. Havia uma carga emocional muito pesada na ideia de sair daquela cidadezinha, tanto que há muito se escondia, e se odiava por não conseguir lutar contra o medo de voar. Essa era a grande questão da sua vida. O medo de falhar fazia dela a própria prisioneira.
Enquanto lia e relia em sua reflexão subestimada, Kal brincava com a bolinha e pelúcia que ganhara de presente, e percebeu que a humana não estava bem. Soltou um de seus graves e altos latidos para chamar sua atenção, em seguida empurrando com o focinho a bola de forma que rolasse até os pés de Jacqueline. Ainda que com o coração aflito, não pôde deixar de sorrir com aquilo. Talvez esse fosse o "superpoder" dele que Henry comentara a respeito, pois lembrava-se de tê-lo ouvido falar sobre o akita sempre deixá-lo bem depois de um dia difícil. Riu baixo para o animal, que abanava o rabo com a língua para fora, e caminhou em sua direção tendo a bolinha em mãos.
━ Você quer atenção, né?! Tudo bem, mas sem quebrar nada dessa vez! ━ Arqueou as sobrancelhas para ele segurando um riso e jogou o objeto na direção do corredor. ━ Pega. ━ Sentou vendo o cão correr, ali no chão mesmo, com as costas apoiadas na parede e esperou até que voltasse com a bolinha na boca. ━ Muito bem, garoto.
(*) Afagou o pelo macio sentindo o mesmo se aconchegar contra si, exatamente em seu peito, que batia acelerado e angustiado. A respiração também não era das mais estáveis, e nem poderia com tantas sensações consumindo e fazendo com que se sentisse ainda mais atormentada. A única coisa que pensava era que tinha tudo - família, suporte - e depois nada. A voz de sua avó a lhe encorajar ecoava em sua mente pedindo para que continuasse, para que tentasse... A imagem desses últimos momentos junto dela sempre ficaria marcada em sua memória. Assim como o medo de decepcioná-la e não ser quem ela acreditava
(*) Quanto mais permitia que essas lembranças voltassem, que sua insegurança falasse mais alto, mais descompensava a respiração e sentia o ar lhe faltar. Fechou os olhos apoiando o rosto na parede e tentava se recompor, ignorar a sensação das paredes se comprimindo e de seu corpo estar se reduzindo dentro de uma sala cada vez mais apertada, mas não sabia como se controlar, sequer percebeu que a mão tremia sobre os pelos do cachorro que abraçava. Há muito tempo não tinha um momento, ou crise, do tipo. Ao menos não estava completamente sozinha dessa vez.
E foi naquele momento, no meio daquela ansiedade sobre quem queria ser e quem sentia que era, que compreendeu o amor de Henry por Kal. O quanto ele significava. Sua missão na Terra. E ele simplesmente estava lá, existindo. O rosto fofo e grande apoiado no ombro feminino e a pata a cutucar seu braço... Como se fosse bobagem, e fazendo parecer fácil tirar todo o sofrimento de dentro dela. Quando Jacqueline conseguiu se concentrar no ambiente ao seu redor, pôde sentir seu amor curativo. O afeto, junto das cheiradas e lambidas, ajudavam a liberar a dose necessária de serotonina e dopamina que seu corpo necessitava para reestabelecer os ritmo cardíaco e conseguir respirar outra vez. Kal realmente era um cão de assistência emocional.
━ Eu sei que é meio egoísta... Mas obrigada por estar aqui. ━ Sussurrou abraçando ainda mais o animal, sem conter as lágrimas em seu rosto. Não era a primeira vez que falara ou até desabafara com algum animal, mas foi a única na qual tivera certeza de que seria ouvida e compreendida. ━ Você é muito especial, sabia?! ━ Soprou um riso irônico quase inaudível ao recordar que logo não o teria ali para ampará-la ou fazê-la sorrir quando precisasse, aquilo era quase uma fantasia. Afastou o rosto para olhá-lo melhor e segurou a cabeça como se estivesse apertando as bochechas de um bebê fofo. ━ Eu vou sentir sua falta, Kal... Sua e dele.
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NOTA:
Deixo aqui minha mais sincera admiração pelos envolvidos nos projetos de cães de assistência e demais serviços. Apesar dessa forma de apoio e terapia emocional não ser ainda muito difundida no Brasil, espero que a valorização venha como tanto merece.
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Kal & Ela
FanfictionDurante as gravações da 2° temporada de The Witcher, Henry Cavill decide levar seu amado cão para lhe fazer companhia no set, porém, não contava que seu melhor amigo iria se acidentar ao passar perto dos cavalos. Kal tem uma de suas patas pisoteadas...