"Fizemos uma parada em uma pequena ilha, ao pé de um vulcão. Necessitávamos novas provisões para partir à Ilha da Estrela Caída, onde esperava-nos nosso correspondente. Os colonos, três famílias de jovens casais com nosso mesmo sangue, não hesitaram em prover-nos de todo o necessário. Pudemos partir, um dia depois, graças a eles."
- Diário de Bordo de Lien Hud, o segundo
Na noite em que Edali partiu de Okinto, a lua estava solitária no céu. Fria, distante. Quase como se estivesse testemunhando o ocorrido contra a própria vontade. Como se não quisesse se envolver diretamente. A brisa se colava nas laterais do barco, fazendo-o balançar com as ondas.
– Ei, hmm... Vyeda – murmurou Edali, tentando não demonstrar o nervosismo que sentia. E falhando. – Digo... vamos partir essa noite, não é? Agora, quero dizer. Então, como é que, exatamente...
– Cale a boca – disse a assassina, com a voz cavernosa da máscara. – Não me chame de Vyeda. Kasir, ou Makot. Nada de Vyeda.
– Tudo bem...
Ainda assim, tornava-se difícil não sugerir que era melhor se apressarem, quando estavam vadiando no convés dessa forma. E não estavam? Depois de fecharem aquele acordo, ouvira essa mulher falar alguma coisa para um de seus homens, e então sair para o convés. Edali a seguira, é claro. Mas ali, expostas à noite, Vyeda ficara apenas recostada no mastro. Com a cabeça baixa. O tempo todo, com aquela máscara horrível voltada para o chão. Não dissera nada.
Em qualquer outro momento, a garota teria ficado com raiva por ser ignorada tão deliberadamente. Mas não ali, com essa mulher que matava as pessoas como se não fossem nada. E não agora, que estava prestes a fugir, mas não fugira, e por isso ainda haviam chances de todos os seus esforços fracassarem se algo errado ocorresse.
Foi com alívio que ouviu os passos de mais subindo ao convés. Ainda assim, o sorriso que surgira no seu rosto pareceu não surtir efeito em Hakk, que a ignorou, indo direto para Vyeda. Edali franziu os lábios, aborrecida.
– De alguma forma, esse foi o único que encontrei – disse o erdaviano a ela, num tom de desculpas. Aquilo era um rolo de pergaminho? – Não sei o que pode ter acontecido com os outros. Na verdade, até tenho uma ideia. Mas não gosto de pensar que aquele inútil tenha feito uma coisa dessas...
– É... tenho a impressão que algum dia o benefício de tê-lo a bordo será negativo. Se já não o é. Mas, nesse dia, vou ter a certeza de matá-lo.
Os dois tinham aberto o pergaminho. Hakk parecia preocupado ao olhar para ele.
– Esse é quase um dhow – ouviu-o dizer. – Pelos ursos de Kallyeva, agora estou preocupado. Vamos ficar bem com isso?
– Se não ficarmos, o mar terá que se contentar com o palito Capp.
Dhow? Kallyeva? Do que é que estão falando?, se perguntou e, não conseguindo conter a curiosidade, aproximou-se deles para espiar por cima do ombro de Vyeda. À luz da lua, viu, no pergaminho, a imagem de um barco. Um veleiro, um barco como qualquer outro – não sabia diferenciá-los. Mas era um desenho meio estranho, admitia. Parecia como se alguém tivesse tido todo o trabalho de desenhar à perfeição a silhueta da embarcação, apenas para preencher o meio com essa tinta preta que cheirava a polvo. Sem nenhum detalhe. Um desperdício.
– O desenhista disso deve ser um idiota – comentou a garota.
Hakk a olhou como se ela é que fosse a idiota.
– Essa caravelinha terá que bastar – disse a assassina, dando uma batidinha no papel com os dedos. Voltou-se para Hakk: – Faça os outros prepararem-se para partir. Que arrumem as coisas deles, ou o que for. Não devem demorar mais do uma morte por envenenamento de esporão-estrela.
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KALKIALA - A gema da vida
FantasyQuando os meteoros caem, ninguém nunca sabe o que haverá neles. Ao descobrir que um meteoro caiu nas proximidades da sua lavoura, um camponês decide que deve agir rápido para livrar-se dele. Noutra parte do arquipélago, um jovem tem o seu mais recen...