Capítulo 8 | Ilha Deserta - Parte 3

66 12 299
                                    

Havia uma espécie da cabana na costa. De madeira escura, enegrecida pelo tempo e pelo mar. Deviam estar do outro lado da ilha, pensou o jovem. Do lugar onde acordara na noite passada, sufocando – que à luz da manhã descobriu se tratar de uma primitiva casa de barro –, não vira qualquer outro tipo de assentamento na costa. E, pelo tanto que haviam errado pelo interior da floresta, era razoável supor que estivessem num outro lado da ilha.

Nahelin, ao pé da cabana, indicava para que Tobbi se aproximasse.

– Que lugar é esse? – perguntou Tobbi, batendo na parede com as juntas dos dedos. O som resultante foi oco, molhado. – Não sou nenhum especialista, mas... isso aqui não parece ter quatrocentos anos.

– Não tem, mesmo. Essa é uma casa que os bandidos utilizam quando param aqui na ilha. Eu disse que eles vêm vez ou outra, não disse? Talvez seja alguma espécie de base de operações deles.

– E isso não é perigoso? – O jovem meneou as sobrancelhas, desconfiado. – Digo, ter bandidos vindo aqui com alguma frequência.

– Para nós, não – disse ela, abanando as mãos num gesto de desimportância. – Talvez para os cervos ou os coelhos eles representem algum perigo.

– Realmente. Tem razão.

Nahelin empurrou a porta, que cedeu com um rangido audível.

– Que lugar decadente... – murmurou Tobbi, ao entrar. O lado de dentro da cabana era um recinto único. Empestado pela falta de sol e pelo ar estagnado, carregava os odores azedos e fétidos dos espaços que carecem de um esforço de limpeza. A pouca luz do dia que entrava pelas janelas gordurosas revelou pequenas estantes de madeira apodrecida coladas às paredes, uma mesa, e uma infinidade de sacos, urnas, baús e garrafas de vidro escuro em toda parte. Havia um pedaço de pergaminho sobre a mesa, ao lado de uma pena sem tinta alguma.

– O que precisamos é de um par de machados, facas e agulhas – disse ela, abaixando-se para abrir o fecho de um baú.

– Agulhas?

– Serão necessárias para fazer as velas.

Um barco, percebeu Tobbi de imediato. A menos que voasse como os pássaros, barcos eram o único jeito de chegar a uma ilha ou sair dela. Podia ser Barbatana, Bai Zhen, ou uma ilha deserta; embarcações sempre estariam lá, oferecendo os seus serviços ao homem.

Mas essa ideia o desconcertou um pouco. Para começar, o que sabia de barcos além do fato de que eram feitos de madeira e flutuavam no mar? Não era, nem nunca fora, nenhum aprendiz de construtor naval. Ainda mais problemático era o problema do tempo. Como não sabia, não tinha como afirmar com certeza, mas... essas coisas não demoravam meses em serem construídas? Podia imaginar o processo. Cortar árvores, deixá-las secar, transformá-las em tábuas de diferentes tamanhos e formas – que iriam para a quilha, os mastros, convés, gurupés e o que mais fosse –, montá-las uma a uma numa estrutura decente e coesa e finalmente lançar o navio ao mar.

Isso, certamente, levaria uma eternidade. Não era um tempo que gostaria de desperdiçar numa ilha deserta, sem fazer nada além de construir um maldito barco. Queria partir o mais rápido possível.

– Admito que demoraríamos realmente bastante tempo se fosse necessário fazer tudo isso – Nahelin respondeu aos seus pensamentos. – Mas está pensando muito grande, Tobbi. Não faremos nada além de uma simples jangada.

– É você acha que uma jangada pode vencer duzentas milhas de alto-mar? Eu não sei nem navegar, para começo de conversa.

Nahelin entregou-lhe o machado, um ar confiante estampado no rosto dela.

KALKIALA - A gema da vidaOnde histórias criam vida. Descubra agora