Kasir. Chefe, no antigo idioma naedi. O cabeça. Aquele que comanda. Ossadas, pensou. Nunca tivera especial afinidade pelo título. Não o desprezava, mas tampouco alguma vez o considerara mais do que realmente era: um título. Apesar disso, ultimamente vinha sentindo como se aquilo fizesse parte de uma realidade distante, a qual nunca vivera. Três duques-de-região assassinados, em Shen Zi, quando se dispusera a uma temporada como assassina. Não que agora não o fosse. Uma dezena de renomados piratas mortos, quando um desses duques-de-região a contratara para o serviço. Que se danassem todos. Nenhum sequer chegara perto de ser um desafio.
Vyeda fechou os olhos cinzentos, mentalmente esgotada. Deitada no catre, no interior de uma cabine pequena do navio de seu contratante, seus longos cabelos brancos espalhavam-se como uma aura pelo colchão. A dor da perfuração na sua barriga já quase esvaíra, tratada pelo médico dos seus homens. Wagyu. Outro dos mais ou menos confiáveis homens que possuía, herdado do antigo bando do seu pai.
A máscara cerimonial bitzlana a observava do alto de uma parede, iluminada pela luz azulada e fria de uma pedra-lanterna. Uma relíquia, passada através de gerações e gerações de sua família, que devia ter quinhentos anos. Talvez mais. Ela não nutria falsas expectativas quanto à sua família: os Makot eram, foram, e sempre haviam sido ladrões, saqueadores, assassinos e foras-da-lei. Sua questão com os próprios antepassados – e, por que não, certa inveja – derivava do fato de que eles haviam vivido tempos mais divertidos. Maior era o mundo, maiores eram os perigos de viver nele. E, por isso, maior era a diversão.
Então, enquanto remoía as amarguras da vida, deitada no catre que o velho emprestara a ela, sentiu o fedor pungente de nyan adentrar por debaixo da porta. Abriu os olhos ferozmente. A luz que provinha de debaixo da porta não era uma linha contínua. Estava entrecortado. Havia algum maldito ali.
– Seja lá quem estiver aí – vociferou –, se continuar fumando essa merda de nyan na minha porta, vou cortar as suas bolas. E depois matá-lo. Não duvide do que digo.
– C-chefe! – a voz do palito Capp ecoou amedrontada. – Não sabia que estava acordada, me desculpe!
– Eu estou. Então saia logo daí, e leve esse maldito cheiro consigo. Ou cumprirei o que prometi.
Ouviu passos apressados, que logo se distanciaram no corredor. Fechou os olhos, bufando. Eles sabiam do problema com o seu olfato, mas, por algum motivo, insistiam em fazer-se de idiotas. Bem, o que esperava deles, afinal?
Pouco depois, seus sentidos avisaram a aproximação de duas pessoas pelo corredor. Passos firmes e espaçados, e outro de passos leves e menos espaçados. Dentre as várias possibilidades que podia elaborar com isso, sabia com certeza que as alturas de ambos destoavam bastante. Bateram à porta.
– Está acordada, Vyeda? – O maior era Hakk, constatou.
– Suponho que sim.
– O nosso contratante quer...
– É sobre o que falamos ontem, Kasir – a segunda voz, um tenor astutamente controlado, era de Ni Kao. – Não pode reconsiderar? Nenhum de nós sabe quando vai se recuperar, então...
Vyeda riu.
– Ele nos desobedeceu, Hakk? – perguntou.
Houve uma pequena pausa na resposta.
– Não, chefe – disse o erdaviano. – Cuidamos para que ficasse quietinho aqui, no navio dele. Nenhum dos trabalhadores desceu para nada, também.
– Ótimo.
– Kasir Makot! – apelou o velho, com a voz afetada.
Vyeda fez outra pausa proposital, antes de dizer:
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KALKIALA - A gema da vida
FantasyQuando os meteoros caem, ninguém nunca sabe o que haverá neles. Ao descobrir que um meteoro caiu nas proximidades da sua lavoura, um camponês decide que deve agir rápido para livrar-se dele. Noutra parte do arquipélago, um jovem tem o seu mais recen...