Capítulo 9 | O que ficou para trás - Parte 1

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Algumas semanas antes.

A carta dizia, em letras sinceras:

"Sei que, no momento em que estiver lendo isto, já estarei bem longe de Okinto. É uma pena. Queria poder dizer que esperava que tudo fosse diferente, mas seria mentira. Nós dois sabíamos que, cedo ou tarde, aconteceria. O que posso fazer? Desde que saí de casa, sempre estive pensando no que poderia fazer para realizar meu objetivo. Talvez, no fundo, pense que seja bobo o meu pensamento, Alina. Eu não te tiro o direito de pensar assim. Mas é assim que as coisas são. Se não fizesse nada, ficasse parado vendo a vida passar, sei que ficaria muito angustiado.

O fato é que nós dois sabemos as circunstâncias. E agora sabemos o fato concretizado. Não sei onde estou agora, para ser sincero. Talvez Estrela ou talvez um outro lugar. Mas queria que soubesse que não estou fugindo da sua companhia. Até porque eu te amo. Não leu errado; é isso mesmo. E, por esse mesmo motivo, também não planejo que a minha viagem dure toda a vida. Não sei quando, mas planejo retornar.

Apesar disso, se achar que estou sendo injusto, não me deve nada. Pode se casar, se quiser ou se for necessário. Admito que ficarei bem triste, mas respeitarei a sua escolha. Me desculpe."

Quando os olhos de Alina alcançaram as últimas palavras da carta, ela deixou-se cair ao lado do poço. Confusa, atordoada. Parecia como se alguém apertasse um laço invisível ao redor do seu pescoço, que não a deixava respirar. Seus olhos embaçaram. Não importava se houvesse alguém que pudesse vê-la ali ou não. Nem que o seu vestido se sujasse de terra. Nada disso importava.

Ainda que chorasse em silêncio à beira do poço, os dedos não soltavam o papel barato da carta de Tobbi. Aquilo era sério? Estivera pensando no porquê de não tê-lo visto nos últimos dois dias, mas... jamais pensaria num motivo desses! Se ele ia partir de qualquer forma, porque, ao menos, não a avisou? Por que não se despediu?

Alina viu a sua incredulidade adquirir diferentes tons, como matizes de uma mesma cor. Teria mesmo partido? Ou, se partiu, seria por causa daquilo? Mas já tiveram essa conversa antes! Não devia haver nada que impedisse aquele rapaz de pedir ajuda ao seu pai. A Dárand. A menos... que ele não quisesse mais se envolver com ela. Seria, então, como uma mensagem de despedida.

A moça esteve a ponto de acreditar nisso, mas lembrou do que acabara de ler na carta. A declaração final de amor. Se a amava, não faria sentido que quisesse se afastar dela, faria? O que podia esperar...

Alina encostou a testa na pedra fria do poço, fungando. Secou as lágrimas nas mangas compridas do vestido, enquanto segurava a carta com delicadeza. Quis se levantar. Mas suas pernas eram raízes, grudadas ao solo pela própria força do vegetal. Não obedeciam.

Ouviam-se o lamento de grilos, em algum lugar do matagal próximo. E a luz apagada de dois vaga-lumes.

É minha culpa, pensou, enquanto sentia o aperto no peito crescer a cada instante. A culpa é minha, minha, minha. Se eu o tivesse ouvido... Se tivesse entendido o que ele queria dizer, talvez.... Talvez, aí...

Mas eram palavras vazias, ela sentia. Nada tinha significado.

Apesar disso, Alina se levantou. Fez o impossível para erguer o corpo, que não se deixava mover. Não podia ali fora a noite toda, dizia uma pequena fagulha de razão que ainda restava nela. Ergueu-se e entrou em casa, subindo até o quarto. E, chegando lá, desabou.

***

– A culpa não é dela – comentou Dárand, enquanto subiam as escadas que levavam ao quarto de Alina. – Aquela menina confia muito fácil nas pessoas. Eu sempre estive dizendo a ela que não se pode confiar nos estrangeiros.

KALKIALA - A gema da vidaOnde histórias criam vida. Descubra agora