– Espero que lembre de tudo o que ensinei – disse Nahelin, ajudando-o empurrar o pequeno barco até a água. Tinha uma expressão triste que não conseguia disfarçar. A todo instante, parecia como se estivesse prestes a falar alguma coisa. Mas os seus lábios apenas permaneciam entreabertos, sem pronunciar palavra.
Eram as primeiras horas de uma manhã limpa, sem nuvens.
Tobbi assentiu, num silêncio respeitoso. Como antes, ainda não podia dizer que entendia completamente toda a cerimônia das despedidas. Não... estaria mentindo se dissesse que não se sentia dividido sobre isso. Ao mesmo tempo em que ansiava, todos os dias, pelo momento em que finalmente terminaria de construir o barco e partiria da ilha, a simples convivência durante um tempo tão alongado criara nele raízes inesperadas. Ainda que não pudesse parecer, havia algo de especial em compartilhar os dias com uma mulher que guardava os espíritos de dez mil bitzlanos, numa ilha abandonada pelo tempo.
E seria ingrato se não admitisse que ela lhe ensinara uma montanha de coisas.
– Esteja sempre de olho na...
– Taenoc – completou ele. – Eu sei. A estrela do dia. Não se preocupe, eu não sou tão idiota assim.
– Só um pouco – disse Nahelin, com a sombra de um sorriso de deboche nos lábios. – Enfim. Seus suprimentos durarão no máximo dez dias. Uma semana. Imagino que, até lá, já tenha alcançado a ponta ocidental das grandes ilhas – Bateu o indicador no queixo, parecendo se lembrar de algo. – Não estou totalmente a par do que a minha mentora falou com você. Ela não quis me dizer. Mas, ainda assim, ouvi-la é o melhor que você pode fazer, garoto. Deve escutar o que ela lhe relatou.
– Tenho a impressão de ter dito mil vezes que já não sou um garoto – O jovem suspirou. – Mas entendo o seu ponto. Não posso prometer nada, mas levarei o que a velha disse em consideração.
Nahelin assentiu, franzindo os lábios. Tobbi não sabia dizer exatamente o que, mas havia algo no semblante dela que não o deixava simplesmente ficar animado pela partida iminente. Talvez aquilo em que sempre pensara não estivesse tão distante da verdade, afinal. Talvez ficar sabe-se lá quantos séculos na companhia de um vórtice de espíritos semi-conscientes e animais fosse de fato algo bastante solitário, ao contrário do que ela dizia. Mas, se fosse assim, o que poderia fazer por ela? Libertá-la? Os meios para fazer isso estavam fora do alcance do seu conhecimento e habilidades. E também nunca a ouvira dizer que queria ser liberta...
Então, de repente, a consciência de dos seus erros prévios o atropelou. Como uma carruagem desgovernada. O jovem não se conteve e abraçou aquela mulher, envolvendo o pequeno corpo dela com os braços. Um abraço carinhoso e afável. O mínimo que devia ter feito por Alina, antes de partir de Okinto. Não cometeria o mesmo erro duas vezes.
– Quem diria... – ouviu a voz dela dizer, perto dos seus ouvidos – o garoto quer agir como um homem?
Tobbi a soltou, dizendo: – Eu sou um homem. E por isso sei que você diz isso para me incomodar. Mas não me importo. De qualquer forma, cuide-se, Nahelin. Você, a velha, e todas aquelas pessoas.
– Está ouvindo a si mesmo? É você quem deve se cuidar, Tobbi. O mar não é algo com o que se pode brincar.
– Eu sei.
O jovem deu as costas para ela, andando até que as suas coxas estivessem afundadas na água rasa onde flutuava o barquinho. Tomou impulso, escalando as laterais da embarcação para cair do lado de dentro com um baque. Levantou, o chão movediço sob os seus pés. O vento soprava numa direção favorável, fazendo oscilar a sua única trança sliva,
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KALKIALA - A gema da vida
FantasyQuando os meteoros caem, ninguém nunca sabe o que haverá neles. Ao descobrir que um meteoro caiu nas proximidades da sua lavoura, um camponês decide que deve agir rápido para livrar-se dele. Noutra parte do arquipélago, um jovem tem o seu mais recen...