Capítulo 7 | Ilha Deserta - Parte 2

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 – A propósito – disse Nahelin, olhando para algum lugar acima da cabeça de Tobbi –, suas tranças queriam dizer algo, não queriam? Pensei em cortar o seu cabelo enquanto dormia, mas no final optei por não fazê-lo.

Tobbi tocou o próprio cabelo. – Ah, sim, o sliva... Não, espera, o que você quer dizer com "vivos"? E porque esse maldito pássaro parece não ter medo de nós?

Viu a mulher sorrir, parecendo satisfeita. As ondulações do cabelo sombreavam-lhe o rosto.

– Este é um refúgio das dez mil almas que moravam aqui – murmurou, puxando para baixo a ponta do galho onde o pássaro estava empoleirado. Ao soltá-lo, o balanço súbito fez o bicho sair voando. – Houve um massacre aqui, há quatrocentos anos. Foi aproximadamente no período do Reajuste Oceânico.

» Um bandido que não era bitzlano como nós, por acidente ou não, aportou nessa ilha. Haviam muitos tesouros à época. Estátuas dos nossos ancestrais, muito refinadas, jóias de antigas linhagens nobres e uma quantia considerável do abazalco. Aquilo que aproxima o homem dos deuses.

» Ele, é claro, não poderia deixar isso passar. Afinal, era um bandido. O seu grupo roubou e pilhou o quanto pôde, matando todos os que se opunham às suas ambições. Os que não morreram pela violência, morreram pelas doenças trazidas por eles ou pela fome posterior. Tudo terminou assim, em alguns meses.

» Mas a verdade é que nós éramos apenas sobreviventes da Queda de Bitzlan. Havíamos sobrevivido à queda e ascensão das diferentes dinastias, quando essa parte do mundo era ainda inacessível a vocês de fora. Sobreviveríamos aos bandidos, também. Parece que, no fim, nenhum de nós jamais conseguiu se desligar desse lugar...

» Desde então, Marit passou a ser um lugar onde os vivos e os mortos coexistem nas entranhas do mesmo espaço. Os dez mil aldeões, e as plantas e animais que nunca chegaram a morrer de fato.

O jovem ruminou tudo aquilo por vários instantes. Como futuro sucessor de um chefe tribal de um annk na Erdávia, os seus pais não o haviam deixado permanecer na ignorância. Haviam-no forçado a aprender diferentes disciplinas sob a tutela de um velho sábio-bruxo. Uma dessas disciplinas fora a História-Geral. Sendo sincero, não lembrava de quase nada sobre tudo aquilo que fora obrigado a aprender. O nome Bitzlan soava vagamente conhecido... mas não tanto. Naquela época, como quase todo garoto da sua idade, estava mais interessado em saber dos mistérios do corpo de uma mulher, do que algo que existiu há muito tempo num mar que nem era o seu.

Assentiu para si mesmo, repentinamente nostálgico. Sim, as suas preocupações nunca giraram em torno de assuntos complexos ou além da compreensão. Apesar de tudo, nessas ocasiões a sua mente tendia a pensar de forma mais prática.

– Eu... estou morto? – perguntou. Pareceu a pergunta certa a se fazer.

Nahelin desatou a rir.

– Morto? – disse ela, parecendo se divertir. – Não vai me perguntar sobre as jóias e estátuas, ou sobre o abazalco? Não vai me perguntar se ainda há ouro aqui na ilha?

– Do que adianta? Eu não sou um bandido – respondeu o jovem, dando de ombros. E de nada valeria tudo isso, se eu já estiver morto.

– Bem, é verdade – Nahelin respondeu aos seus pensamentos. – De nada adianta, se já estivesse morto – Fez uma pausa, voltando a olhar para Tobbi. – Não, você não está morto, grandão. Eu disse que fiz a minha parte para mantê-lo vivo, não disse? Apesar disso, tem razão em perguntar. O mais lógico seria estar morto. Na verdade, há apenas duas coisas que o mantiveram vivo depois do que aconteceu a você. Hud'aquils costumam ser mesmo um problema. Mas teremos tempo para conversar sobre tudo isso em outra ocasião.

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