Capítulo 1 | Tobbi Kalkiala

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Diante de Tobbi, haviam dois acres de puro fracasso. Seis meses de trabalho duro, jogados fora como carne estragada ao mar. Como pudera ser tão idiota em acreditar que daria certo?

A plantação de cogumelos ihani o observava de baixo, como se zombasse dele. Ou melhor, a plantação que teria sido de cogumelos ihani. "Plante-os em qualquer lugar, eles vão crescer mesmo. Se duvidar, até no fundo do mar eles crescem.". Agora percebia o absurdo daquelas palavras. Para começo de conversa, como é que cresceriam, quando não sabia nem o básico da fungicultura? Devia ter ao menos perguntado isso ao seu pai antes de sair de casa.

Tobbi coçou a cabeça, incomodado. Os feixes compridos e maltratados do seu cabelo se mexeram. Estava tão animado com esses cogumelos! Naquele momento, conseguia vê-los já grandes com brilhosos chapéus azuis como céu e troncos brancos como os campos de neve da sua terra natal. Um carregamento deles! Naquele momento, conseguia ver grandes navios atracando nos portos inexistentes dessa ilha desconhecida, ávidos por ele. Pelos seus valiosos produtos.

Mas agora estava tudo perdido. Por algum motivo, já passara o tempo dos cogumelos crescerem, e nada mudara. Continuavam como esporos, pequenas coisinhas insignificantes que mal se mantinham em pé sobre a terra. E agora podia considerar-se atolado de dívidas.

O jovem de estatura elevada pensou e pensou, para no final concluir que precisava dividir as suas dores com outras pessoas. E havia um lugar – talvez o único – onde poderia conseguir o que buscava.


A Quinta do Marinheiro era a única taverna, no único vilarejo da ilha de Okinto. Ficava ao pé do vulcão adormecido, enquanto que o lote que Tobbi usava para o empreendimento dos cogumelos estava quase no topo. Para ele, nunca demorava mais de uma hora ir de um lugar ao outro.

Naquele fim de tarde, quando o jovem chegou, a Quinta estava cheia. Mas, como a única taverna, ela estava sempre cheia. Isso nunca se constituíra num problema. Pelas janelas, escapava o brilho forte das velas de pedra, amarelo. Não só luz, mas o som de copos tinindo, pessoas rindo e de uma cantiga animada no bandolim de um músico conhecido. Não havia qualquer defeito nesse cheiro de pão assado, comida forte e temperada e cerveja de cogumelo.

Tobbi entrou pela porta da frente. Justo a tempo de esquivar um osso de frango, que passou como uma flecha de balestra logo acima da sua cabeça.

– Que bom ver que estão se divertindo sozinhos – disse, fechando a porta às suas costas. – É sempre bom chegar quando a festa já está no fim – Encontrou um espaço livre junto ao balcão, onde se sentou. Ao lado, havia um homem barbudo abatido pelo álcool.

– Grande dia, Tobbi! – a voz encorpada veio do outro lado da taverna. De uma mesa compartilhada por quatro sujeitos e suas respectivas canecas de cerveja espumante. Eram Kiliman, Telmo, Androvil e Nairu. A luz dos candelabros via-se duplicada nas suas enferrujadas armaduras e elmos.

– Ah, Kiliman – respondeu o jovem, acenando para o outro. – Como tem sido a vida de vocês nestes dias? Ouvi falar que as correntes não estão boas para camarões.

– Seu palerma de cabelo vermelho – replicou Telmo, num tom amargo –, não é porque ajudamos os pescadores daquela vez, que o nosso trabalho é fazer apenas isso. Você, como um jovem, devia ter mais respeito com os soldados de fronteira.

– O que há com ele?

– Não se ofenda com ele, rapaz – Kiliman parecia um pouco envergonhado quando disse: – A mulher dele o deixou há dois dias. Fugiu com um marinheiro do Leste.

– Um maldito cão sarnento do Leste!

E Telmo abaixou-se para chorar, visivelmente embriagado. No meio-tempo, vendo que havia espaço ali para mais um, Tobbi puxara uma cadeira para juntar-se ao grupo.

KALKIALA - A gema da vidaOnde histórias criam vida. Descubra agora