Capítulo 20 | O bando do Kasir Branco - Parte 2

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"Aquilo que ficou conhecido como a Podridão de Oseng, o surto que quase destruiu a próspera cidade costeira, serviu como lembrança de que, diferente deles, nossos irmãos, ainda estamos presos aos misteriosos desígnios divinos. Considerem-me herege ou não, busco apenas a verdade – e eles parecem conhecê-la."

- Notas pessoais e Testamento de Lunsori Nweno, o "sem memórias"


Edali estava radiante com o novo vestido que havia encontrado.

Com as luzes mais adequadas do salão-comum, aquelas roupas shenzianas de seda haviam se revelado ainda melhores do que imaginou. Um vermelho vibrante, como o sol no fim da tarde, ornamentado com bordados dourados de flores e ondas. Na cintura, aquela faixa de tecido preta não a apertava tanto quanto a das suas roupas normais. Era como se estivesse vestindo nuvens.

Seu sorriso, no entanto, terminou ao ouvir o raspar da pedra contra o metal, das facas sendo amoladas pelo sr. Baejin. Pela visão de todas aquelas armas no chão, facas, facões, espadas curvas, espadins e adagas, esperando chegar a sua vez. Foi inevitável lembrar do que havia acontecido lá em cima, na cabine de comando. Aquela mulher...

Olhou em volta, nervosamente procurando Vyeda em algum canto do salão. O que encontrou, ao invés disso, foi o olhar admirado dos homens recaindo sobre si. Muito diferente do desdém ou da indiferença. Muito... incomum, também.

– O que uma roupa shenziana não faz com as pessoas – comentou o sr. Baejin, com o bom-humor usual, enquanto Edali sentava no tapete perto dele. – O vestido caiu bem em você, menina.

– O-obrigada – disse a garota, tentando não enrubescer pela lisonja. – Eu... não tem problema eu pegar essa roupa emprestada, tem?

– Pelo manto de Duj, a essa altura ela pergunta! – debochou Jinghnal, sentado num outro tapete.

Edali tentou não se deixar afetar pelo comentário.

– Hum, bom... – O sr. Baejin tossiu, antes de continuar. – Não acho que hajam problemas. Arrisco dizer que a maioria de nós não tentaria usar isso, e mesmo se tentasse, o tamanho provavelmente o impediria. A chefe também não usa vestidos.

– Embora talvez fosse bom vê-la usando, vez ou outra... – murmurou Sassin, fantasiando.

Os demais se limitaram a rir, ou a olhar em volta agitados, como se temendo que Vyeda pudesse ouvi-los. Hakk, não. Edali se endireitou, nervosa, ao ver que o erdaviano olhava em sua direção. Felizmente, para o seu alívio, não era um olhar tão frio como antes. Era... algo como paternal. Por quê?

– De onde tirou essas roupas? – ouviu-o perguntar. Aquela voz grave, trovejante, como uma grande rocha que se desprende do penhasco, o impedia de soar afável.

– Elas estavam... no banheiro. Nos caixotes, guardadas.

– Entendo – disse Hakk, assentindo. – A minha filha... também gostava desses lianyi de seda. Dizia... que era como abraçar um filhote de palja. Imagino que seja uma sensação igualmente agradável – E voltou-se para uma outra direção, pensativo.

Edali franziu as sobrancelhas, confusa. Esse homem havia acabado de falar... da filha dele? Ansiosa por mais respostas, procurou o olhar do sr. Baejin, mas só obteve cumplicidade.

– É... até mesmo Hakkel tem as suas anedotas para contar, de vez em quando – concordou o shenziano com cicatrizes na testa, e, desviando a atenção para o amolador, não disse mais nada. Dali a pouco, levantou-se, e um outro assumiu o seu lugar com as facas.

A garota, é claro, não se contentou apenas com isso. Estava já vários dias a bordo daquele navio, e em nenhum momento aquele erdaviano carrancudo trocara com ela qualquer gentileza que fosse. E, então, de repente... ele falava da própria filha? Não havia como não ficar curiosa.

KALKIALA - A gema da vidaOnde histórias criam vida. Descubra agora